Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 26 de Junho de 2013, aworldtowinns.co.uk

Turquia: À procura da forma de resistir

Os esforços do primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdoğan para esmagar a resistência têm-se prolongado com rusgas policiais de madrugada às casas de 20 pessoas acusadas de “terrorismo” por terem participado em manifestações em Ancara. Essas prisões ocorreram no meio da fúria nessa cidade contra a libertação de um polícia que tinha disparado e matado à queima-roupa um jovem manifestante.

Em Istambul, os manifestantes que foram violentamente expulsos do Parque Gezi estão a fazer fóruns nocturnos em parques por toda a cidade para discutirem o que fazer. Às nove horas de todas as noites, as pessoas param tudo o que estão a fazer e começam a fazer barulho durante quinze minutos em solidariedade com o movimento e uns com os outros. Debruçam-se das janelas dos seus apartamento para baterem em panelas e caçarolas e cantarem e assobiarem. Em muitos cafés e restaurantes, os clientes batem com os seus copos de chá.

O movimento iniciado em finais de Maio com a defesa do Parque Gezi contra os planos de desenvolvimento tocou profundamente os jovens e outras pessoas em muitas cidades de toda a Turquia, com as mulheres muitas vezes nas filas da frente. A principal reivindicação agora é a demissão de Erdoğan.

A situação teve uma reviravolta na noite de 15 de Junho, quando as autoridades tentaram pôr fim aos protestos pela força bruta, revelando assim a natureza do estado que Erdoğan lidera. Fileiras firmemente cerradas de milhares de polícias vindos de todo o país, com as suas protecções abaixadas sobre as suas cabeças, alinhadas como as falanges dos antigos soldados romanos, avançaram pelo parque dentro. As autoridades alteraram a composição dos sprays e gases hi-tech que usaram uma vez mais contra os manifestantes. Não só os olhos ardem horrivelmente, como as pessoas vomitam e o corpo delas por vezes fica com marcas de queimaduras químicas de primeiro grau. A maioria das pessoas não estava preparada para um ataque deste tipo. Embora se tenham mantido firmes durante mais horas do que parecia possível, acabaram por ser expulsas.

As alegações de Erdoğan de que os manifestantes que eram em grande número eram todos “terroristas”, ou pelo menos manipulados pelo “terrorismo”, tinham caído por terra. Quando ele pediu às mães para irem ao Parque Gezi buscar os seus filhos, centenas de mães foram lá para formarem uma cadeia humana de protecção à volta do parque. A associação de advogados fez uma manifestação a exigir a libertação dos seus colegas encarcerados por defenderem os manifestantes e a associação de médicos e dentistas fez o mesmo em defesa do pessoal médico atacado pela polícia, espancados e encarcerados por terem cuidado dos feridos.

Erdoğan convocou grandes concentrações em Ancara e Istambul para provar que a sua base de apoio continuava forte. Tentou incendiar a sua base social com a religião e com um sentimento de que ele e eles eram vítimas de inimigos anónimos, implicitamente o “Ocidente” e as pessoas ocidentalizadas da Turquia que querem impedir a ascensão da Turquia.

Durante as últimas três décadas, houve gigantescas mudanças que têm transformado a Turquia como parte do passo acelerado da globalização. A intensificação do desenvolvimento capitalista tem significado que os novos capitalistas querem a sua parte do poder de estado e da pilhagem. Esse mesmo processo de desenvolvimento também resultou na deslocação de milhões de camponeses e agricultores de subsistência, levados à bancarrota e empurrados para os bairros de lata ou para a emigração no estrangeiro. Este processo de insurreição tem-se reflectido numa nostalgia pelas ideias, moralidade e cultura tradicionais.

O partido AKP foi levado ao poder como expressão destas contradições e impulsos para, por um lado, um maior desenvolvimento capitalista moderno e, por outro lado, a promoção dos valores tradicionais e da ideologia religiosa – a sua “política de devoção”. O AKP representa a defesa desavergonhada e prática do capitalismo de mercado e da exploração, trabalhando de mãos dadas com o imperialismo. Apesar disso, a sua pretensão ao poder, a sua coesão ideológica e a sua atracção junto de um sector do povo estão cada vez mais enraizadas na ideologia religiosa (o Islão) e no seu desejo de um modo de vida tradicional que está a ser destruído pela base devido ao próprio funcionamento do sistema capitalista mundial sobre o qual o AKP saliva.

No mundo de hoje, e sobretudo no Médio Oriente e Norte de África, estes dois impulsos contraditórios mas mutuamente dependentes estão a moldar os acontecimentos políticos e a colocar alternativas reaccionárias, que se combatem entre si, e a alimentar a violência reaccionária e a manipulação. A agressão ao Iraque, ao Afeganistão e à Somália, a guerra imperialista “contra o terrorismo”, o contínuo confronto com a República Islâmica do Irão – tudo isto está marcado por esta dinâmica. O chamado Modelo Turco era propagandeado como exemplo de mitigação e harmonização de um desenvolvimento capitalista desenfreado dependente do imperialismo com um regime político islâmico reaccionário. Erdoğan está confinado entre estes dois pólos irreconciliáveis. A arrogância dele deve-se à sua convicção de que é o único que pode suster esta contradição explosiva e de que, em última análise, as potências ocidentais e a classe dirigente da Turquia como um todo terão de aceitar isso.

O regime tem feito esforços para afastar alguns dos membros da classe média mais estabelecida que constituem uma importante base de apoio do movimento nas ruas, tanto fazendo promessas (como a de não demolir o Parque Gezi sem um processo em tribunal e possivelmente um referendo) como com brutalidade e prisões. O seu reinado de terror tem afastado alguns manifestantes, mas também é um importante factor na propagação da desconfiança na legitimidade do regime.

O núcleo deste movimento continua com uma disposição de resistência. Por vezes, isto exprime-se de uma forma solene como o “homem estátua” na Praça Taksim e em promessas em massa de nunca se renderem em honra dos que foram mortos pela polícia. Por vezes, em graças desafiadoras, como cantarem “Tragam o gás pimenta” quando a noite cai. “Isto é apenas o início”, diz uma outra canção, com uma análise cada vez mais realista de que o que está a começar vai ser perigoso e difícil.

Mais importante, há um questionar, não só sobre o que fazer, mas também sobre aquilo por que lutar, que tipo de mundo temos e que tipo de mundo queremos.

Este relato fez uso da análise “Um trovão de Primavera com vastos e profundos ecos” de Ishak Baran, publicada originalmente no jornal Revolution/Revolución (revcom.us).

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