Publicado originalmente a 20 de Junho de 2013 na edição online do jornal Revolution/Revolución, voz do Partido Comunista Revolucionário, EUA:
Um trovão de Primavera
com vastos e profundos ecos
Uma insurreição social a uma escala não vista nas últimas décadas rebentou como um trovão de Primavera, rejeitando as coisas tal como elas são hoje e opondo-se à direcção em que elas estão a seguir. Propagou-se rapidamente a toda a Turquia, trazendo um gigantesco número de manifestantes para as ruas de mais de setenta cidades e vilas, de Istambul a Diyarbakir. E fez surgir todo um vigoroso coro de solidariedade internacional vindo dos quatro cantos do mundo.
Desde o final de Maio, a explosão de uma crise política de imenso significado tomou o centro do palco, polarizando claramente toda a sociedade, atraindo milhões de pessoas para o debate e expondo toda a natureza fundamentalmente podre e opressora da actual ordem social e dos seus pressupostos fundamentais. Uma jovem desafiadora, no calor da dura batalha com a polícia, respondeu orgulhosamente a um jornalista que lhe perguntava sobre o que tinha motivado a inexorável vaga de protestos: “Não é por um punhado de árvores, esta luta é pelas nossas almas!”.
À superfície, foi o brutal ataque da polícia de choque e das autoridades às 5h da manhã de 31 de Maio para desalojar as 50-100 pessoas que protestavam pacificamente contra a planeada demolição do Parque Gezi na Taksim, Istambul, que despoletou toda a insurreição social. Porém, por trás do espesso nevoeiro de gás lacrimogéneo e dos disparos estropiadores dos canhões de água a alta pressão e das granadas de choque dos confrontos do primeiro dia, tornou-se claro que uma força nova e fresca e decidida, uma jovem geração de rebeldes tinha emergido de uma forma cada vez mais impaciente e intransigente em relação à actual realidade política e social na Turquia.
A profundidade e a extensão das forças rebeldes reunidas contra o regime do AKP (o Partido Justiça e Desenvolvimento), que está no governo desde 2002, são reveladoras da aguda intensificação das contradições. Os jovens das universidades e dos bairros pobres, todo o tipo de pessoas da classe média, os artistas e os intelectuais, uniram-se aos recém-deslocados das zonas rurais para exigirem a demissão do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdoğan, ao lado de pessoas enfurecidas com a sistemática islamização do estado e do espaço público e com a crescente imposição de valores e tradições islâmicos e a implacável promoção de uma moralidade baseada na religião. No centro e nas fileiras da frente desta rebelião estão mulheres furiosas com a usurpação dos seus corpos, vidas e liberdades, com as restrições ao aborto e os ditames governamentais sobre quantas crianças deve ter uma mãe “patriota” e “boa”. Pessoas que estão enfurecidas com os esforços patrocinados pelo estado para corroer ou rejeitar verdades científicas como a teoria da evolução de Darwin também têm participado nos protestos. Os simpatizantes de grupos e organizações revolucionárias lutam ao lado de pessoas que se opõem à degradação do meio ambiente e daqueles que exigem uma verdadeira liberdade de expressão, o fim da censura da internet e das prisões de jornalistas por dizerem verdades ou mesmo críticas moderadas. Daí as palavras de ordem “Tayyip Demite-te!” que ecoa ruidosamente entre as linhas de batalha e as barricadas nas diversas cidades, reflectindo uma profunda aversão ao regime do AKP.
O AKP chegou ao poder cultivando uma certa imagem dos “oprimidos” e prometendo uma “ordem económica justa” e o desenvolvimento. E agora, a verdade em relação a isso torna-se clara em toda a sua crueldade: uma orgia de especulação, oportunismo e amiguismo, tudo feito com a ajuda do estado: enormes projectos de construção como o Canal de Istambul (um novo Bósforo artificial), a Terceira Ponte ou mais uma “maior mesquita de sempre” e muitos outros. Não só estes projectos visam enriquecer um punhado de “devotos empresários do AKP”, como também são desastres ecológicos que desperdiçam recursos hídricos, provocam a erosão das terras e a destruição de tesouros arqueológicos históricos insubstituíveis. Um descontrolado programa de construção de mesquitas surge disfarçado de planeamento urbano.
As pessoas estão fartas do pavoneio cada vez mais beligerante e arrogante do regime na região. Ele está a glorificar, a branquear e a instrumentalizar a herança do Império Otomano. A tese pseudocientífica do Ministro dos Negócios Estrangeiros Davutoglu sobre a importância da “profundidade estratégica” do estado turco para governar a região em coordenação com os verdadeiros senhores da região — os imperialistas norte-americanos e europeus — mostra os objectivos predatórios e o apetite desmesurado deles. O alimentar da reaccionária guerra civil sectária na Síria revela isto amplamente. E agora eles estão a fazer um acordo cínico com algumas das forças nacionalistas curdas para consolidarem as ambições regionais reaccionárias da classe dominante turca e para, através desse processo, esmagarem as legítimas aspirações do povo curdo.
Apesar do fingimento público do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdoğan, com o seu tom de indiferença misturado com ameaças públicas contra os manifestantes, há sinais dentro do seu partido no governo de que estão a sentir um corrosivo sentimento de cerco. Falam em romper com a liderança de Erdoğan para lidarem com a crise de legitimidade que se está a desenvolver no reinado do partido AKP, que está no poder há 11 anos e tem uma base islâmica tradicionalista e pró-mercado livre.
O que está por baixo da superfície
Durante as últimas três décadas, a Turquia tem sido varrida por gigantescas mudanças como parte do passo acelerado de “globalização” do mundo em geral. Durante este período, o desenvolvimento capitalista intensificou-se na Turquia, o que resultou em novos capitalistas que querem a sua quota-parte do poder de estado e o seu direito a um “justo quinhão” da pilhagem. Este mesmo processo de desenvolvimento também resultou na deslocação de milhões de camponeses e agricultores de subsistência, levados à bancarrota e empurrados para os bairros de lata ou a emigrarem para o estrangeiro. Este processo de deslocamento e convulsão tem-se reflectido na cultura, nas ideias e na moral. Uma grande tendência tem sido a nostalgia pelos valores e moral tradicionais, como se vê por exemplo na música “arabesca”. As mulheres têm sido, em grande número, retiradas de casa e forçadas a alimentar as suas famílias como operárias de baixos salários. Contudo, essas mesmas mulheres têm sido as principais vítimas desta ideologia islâmica e feudal e da ânsia por valores e estilos de vida tradicionais. A muito vangloriada modernização da Turquia andou de mãos dadas com a crescente ocorrência do aviltamento e brutalização das mulheres, incluindo mesmo as horrendas mortes de honra. Este é o segredo sangrento do modelo de “empreendedorismo devoto” que é tão simbólico da postura conscientemente cultivada pela máquina do AKP.
O AKP foi criado e impulsionado para o poder como expressão destas contradições e tendências para, por um lado, um crescente “desenvolvimento capitalista moderno” e, por outro lado, a promoção dos valores tradicionais e da ideologia religiosa — a sua “política de devoção”. Por um lado, o AKP representa a desavergonhada defesa e prática da exploração e do capitalismo de “mercado livre”, trabalhando de mãos dadas com o imperialismo. Apesar disto, a sua aspiração ao poder, a sua coesão ideológica e a sua atracção junto de um sector do povo estão cada vez mais baseadas numa ideologia religiosa (o Islão) e no seu nostálgico desejo de um modo de vida tradicional que está a ser escavado pelos próprios mecanismos do sistema capitalista mundial pelo qual o AKP saliva.
No mundo de hoje, e sobretudo no Médio Oriente e Norte de África, estas duas tendências em conflito e interdependentes estão a moldar os acontecimentos políticos e a colocar alternativas reaccionárias, que se disputam entre si, e a alimentar a violência e a manipulação reaccionárias. A agressão ao Iraque e ao Afeganistão, à Somália, a imperialista “guerra ao terrorismo”, a continuação do confronto com a República Islâmica do Irão, tudo isto está marcado por esta mesma dinâmica. O chamado “modelo turco” foi promovido, mesmo até ao dia 31 de Maio, como exemplo de mitigação e harmonização do desenvolvimento capitalista desenfreado alimentado pelo imperialismo com um regime político islâmico reaccionário obsoleto. Muita gente na região e na Turquia acreditava que este acrobático afastamento de pernas era a melhor opção disponível. O AKP ganhou três eleições com esta auto-ilusão e este modelo estava a ser vendido (ou enfiado pela garganta abaixo) como a cortina final enfraquecedora e sufocadora da Primavera Árabe.
A actual explosão representa a súbita emergência destas contradições insolúveis.
Os esforços de reconciliação do desenvolvimento capitalista alimentado pelo imperialismo e da democracia burguesa ocidental com uma “inofensiva” dose moderada de Islão não têm nenhuma possibilidade de atingirem os seus objectivos. Tayyip pode não ser um talibã nem um Bin Laden, mas mesmo assim é um agente e um produto dessas mesmas duas tendências opostas que ele não tem nenhuma possibilidade de controlar. E esta é uma das razões por que ele é tão descontroladamente arrogante nos seus discursos.
O outro lado do mesmo sonho era o de que a Turquia iria deixar de ser um campo de banquetes do imperialismo estrangeiro para se sentar à própria mesa dos imperialistas: a esperança de entrada na União Europeia. Desde a criação da República Turca em 1923 que o objectivo de atingir o nível da “Civilização Ocidental” tem sido o sonho de todos os governantes da Turquia. O AKP prometeu cumprir o plano que nem Ataturk nem os generais conseguiram. Para além e por cima do facto de isso ter sido auto-ilusório, porque é que os povos da Turquia devem desejar aspirar a participar na pilhagem de outros ou estarem orgulhosos em ser “parceiros estratégicos” (na realidade, os seus polícias e torturadores) de coiotes de nível mundial, para protegerem um sistema que coloca milhares de milhões de dólares nas mãos de um punhado de pessoas enquanto espezinha milhares de milhões de pessoas? Um sistema onde o tráfico internacional de escravos sexuais se tornou numa grande indústria, onde persiste o trabalho infantil e onde o meio ambiente sofre danos irreparáveis? Não será que o esforço para ressuscitar a grandeza do Império Otomano não é senão o sonho de a Turquia tomar o seu ansiado lugar no sistema imperialista mundial?
O mais importante fruto da revolta social contra o AKP, a sua ideologia, a sua mão pesada e o seu projecto de sociedade é a emergente consciência colectiva de que se deve criar uma sociedade completamente diferente e contrária a esta.
Lutar à nossa maneira e criar uma sociedade radicalmente nova
As pessoas na Praça Taksim e um crescente número de pessoas em todo o país querem participar na decisão do rumo do país. Querem fazer um bom uso das suas paixões e dos seus talentos para contribuírem para a criação de uma sociedade melhor. Há um crescente sentimento da necessidade de serem boas guardiãs do planeta e de não sacrificarem a terra a troco do dinheiro daí retirado. As mulheres e os homens sonham com uma sociedade onde se possa eliminar, pela luta, o sistema patriarcal, a opressão e a degradação das mulheres. Onde nenhuma nação possa dominar outras. As pessoas anseiam por uma genuína cooperação e comunidade e por se libertarem da competição cruel e da indiferença característica do mundo capitalista e imperialista.
Tudo aquilo por que as pessoas estão a lutar, e de facto muito, muito mais, é possível na Turquia e no mundo inteiro. É possível através de uma revolução comunista. Bob Avakian disse isto da seguinte forma:
“O comunismo [é] um mundo onde as pessoas trabalham e lutam pelo bem comum. (...) Onde todas as pessoas contribuem tudo o que podem para a sociedade e recebem aquilo de que precisam para viverem uma vida digna de seres humanos. (...) Onde já não há nenhuma divisão entre as pessoas em que algumas dominam e oprimem as outras, roubando-as não só dos meios para uma vida decente como também do conhecimento e dos meios para realmente compreenderem o mundo, e agirem para o transformar.”
Sem esta perspectiva, sem uma luta determinada para emancipar a humanidade das divisões sociais e antagonismos que devoram a vida, as esperanças e os sonhos das pessoas por um mundo diferente, sem exploração nem opressão, ele não pode ser concretizado.
As condições necessárias para se chegar ao comunismo existem no mundo actual. Uma capacidade produtiva extremamente avançada existe e une as pessoas em todo o globo. Mas, no actual sistema social, essa mesma capacidade só pode ser usada para a cada vez maior acumulação de capital privado. E o maior recurso de todos — as próprias massas populares — é impedido de contribuir para a resolução das necessidades de todos. Não só os trabalhadores desempregados e os camponeses deslocados são deixados inactivos, como mesmo àqueles que tiveram oportunidade de obter importantes conhecimentos e capacidades não lhes é permitido usá-los ao serviço do povo. A condição e a opressão das mulheres, metade da sociedade humana, são uma impressionante manifestação do aprisionamento da humanidade.
A razão fundamental por que a sociedade é e continua a ser desta forma é que a pequena minoria que beneficia da actual situação, as classes exploradoras, detêm o controlo do estado — o governo, o exército, a polícia, a burocracia. E o domínio económico e político também se reflecte nas ideias, na cultura, nos valores, etc., em que se baseiam os sistemas, passados e presentes, de exploração e opressão e que contribuem para manterem as pessoas escravizadas.
Por isso tem de haver uma revolução, uma verdadeira revolução, se quisermos que a sociedade seja transformada. Com isto queremos dizer o derrube e o desmantelamento do actual estado e a sua substituição por um poder político radicalmente novo, um estado socialista em que os explorados, em aliança com a classe média e os profissionais, governem a sociedade sob a direcção de um partido de vanguarda visionário.
Essa sociedade socialista só poderá existir como “zona base” para a revolução na região e no mundo.
Mais importante, uma sociedade socialista será uma transição da sociedade de hoje para o futuro mundo comunista. Só poderá existir se for uma sociedade vibrante e colorida plena de debate, luta e experimentação. Uma sociedade em que será uma alegria viver.
Mas para que a possibilidade e o desejo da revolução possam resultar de facto numa revolução vitoriosa tem de haver uma revolução na teoria e na ideologia. Tem de haver um sector do povo que conscientemente tome a teoria revolucionária e a responsabilidade de liderar as massas na tomada do poder e no desencadear do processo de transformação da sociedade. É esta a importância da Nova Síntese de Bob Avakian: um reconceber e um revigorar da revolução comunista. Ele examina cientificamente a história da revolução proletária e da sociedade contemporânea e os novos conhecimentos emergentes de diferentes campos da actividade humana. O resultado é um Marxismo que está mais cientificamente fundamentado, mais emancipador e que torna mais desejável e mesmo mais possível a transformação revolucionária da sociedade.
Uma antevisão desse futuro
Em traços largos é possível visualizar duas importantes características da transformação revolucionária imediata que é necessário estarem no coração e no centro de qualquer programa genuinamente revolucionário. Primeiro, há toda a teia de ligações ao sistema imperialista mundial que mantém a Turquia e sociedades semelhantes económica, politica e culturalmente aprisionadas e dependentes. Uma verdadeira revolução não se pode limitar a tentar remexer nesses grilhões, ou ainda pior, a tentar perceber como pode, de alguma forma, “usar” esta ou aquela ligação ao sistema imperialista mundial como sendo algum tipo de alavanca ou vantagem. A moderna indústria do turismo de base imperialista na Turquia, para dar um exemplo claro (ou o petróleo existente noutros países da região) é um importante grilhão sobre o povo e toda a sociedade e não é, de uma forma muito definitiva, um potencial veículo para a “libertação nacional”.
O segundo objectivo imediato da revolução é desencadear todo um processo de transformação social que varra as relações sociais patriarcais reaccionárias e retrógradas que continuam a fazer-se sentir de uma forma tão pesada sobre as massas populares e toda a sociedade.
A questão é que estes dois importantes objectivos só podem ser atingidos através de um socialismo genuíno, revolucionário.
Os acontecimentos na Avenida Bourgiba, na Praça Tahrir e agora na Praça Taksim e no Parque Gezi electrificaram o mundo, não só como pontos focais de resistência, mas também como “zonas livres” cheias de um debate vivo sobre o rumo do movimento e da sociedade no seu todo. A ousadia de criticar qualquer coisa ou qualquer pessoa que sejam percebidas como estando a barrar o caminho. Sob o domínio reaccionário, este tipo de actividades enfrenta cargas policiais, arruaceiros montados em camelos, a ocultação televisiva e delatores infiltrados. Na sociedade socialista do futuro, este tipo de fermento não só será “tolerado” como deve ser bem acolhido e encorajado pelos dirigentes da sociedade e das suas instituições revolucionárias. Os protestos e as insurreições de massas, um espírito de ousadia para pensar, reavaliar e criticar existirão a uma escala nunca antes vista na história e envolverão as massas populares normalmente mantidas “do lado de fora” da vida intelectual e política, bem como os intelectuais e artistas que irão continuar a desempenhar um papel crucial na definição da nova sociedade. O poder de estado protegerá o direito das pessoas a levarem a cabo este tipo de lutas. Para sermos claros, a oposição ao socialismo pode exprimir-se desde que esses opositores não tentem de facto derrubar o sistema por meios ilegais.
A visão de Avakian sobre o socialismo é a de uma sociedade onde a controvérsia, a divergência, a luta sobre o correcto e o errado e o debate em massa estão entranhados no próprio edifício da sociedade, e não a excepção. Devem ser disponibilizados todos os recursos (publicações, canais de televisão, salas de reuniões e por aí adiante) para que estes direitos sejam reais e tenham significado, ao contrário da democracia burguesa onde o dinheiro, as conexões e a propriedade privada esvaziam a “liberdade de expressão” da maior parte do seu significado. Esta orientação não é um desejo piedoso para ser afastado à primeira dificuldade. Nas futuras sociedades socialistas haverá certamente no seu interior e exterior inimigos virulentos que tudo farão para fazer regressar o sistema reaccionário, mas demasiadas vezes a realidade desses inimigos e a necessidade de os combater foram vistas como uma razão para recorrer a métodos de mão pesada e para não confiar e não envolver as massas populares.
As novas sociedades socialistas do século XXI devem ser marcadas por uma expansão sem precedentes dos direitos individuais a toda a população. O próprio estado será qualitativamente diferente dos estados actualmente existentes no que será um resultado da revolução das massas, mas isto não mudará o facto de que continuará a haver contradições entre o estado e o povo enquanto continuar a ser necessário haver um estado. A democracia que irá existir e a garantia dos direitos individuais farão parte da luta para manter o desenvolvimento da transformação social e criará condições mais favoráveis para o avanço da revolução.
Vejamos, por exemplo, a importante questão da luta por uma visão científica do mundo e a oposição às perspectivas religiosas que influenciam pesadamente o pensamento das massas. Em basicamente todos os países da região, incluindo a Turquia e todo o globo, seja através da lei ou apenas do peso da família e da tradição, da comunicação social e por vezes de arruaceiros, as pessoas não são encorajadas a explorar e a debater perspectivas alternativas, e os que não são crentes são muitas vezes forçados ao silêncio. Deve haver uma rígida separação entre a religião e o estado. O sistema de ensino tem de tratar a religião segundo o mesmo padrão científico usado para examinar todos os outros fenómenos sociais. Não haverá uma ideologia oficial imposta pelo estado, nem sequer a ideologia do comunismo.
Uma sociedade socialista radicalmente diferente lidará com a discussão da religião de uma forma muito diferente. Nós sabemos que durante muito tempo haverá pessoas que rejeitam a visão científica do comunismo e se manterão fieis à religião. A liberdade de religião será respeitada e ninguém será pressionado a pretender ser algo que não é. Por outro lado, os comunistas não evitarão a luta na questão da religião e da visão do mundo de uma forma mais geral, porque será impossível chegar a uma sociedade comunista enquanto as pessoas virem o mundo apenas como ele é actualmente e, com base nisso, a o transformarem. Esta luta entre os crentes e os comunistas revolucionários no campo do pensamento pode ser uma verdadeira e excitante “escola” através da qual milhões de pessoas podem participar, aprender e transformar.
Soa familiar?
Muitas pessoas dizem: a revolução comunista já foi tentada e foi um fracasso na União Soviética e na China de Mao. É verdade que, em última análise, estas revoluções socialistas foram derrotadas, mas chamar “tirania” ou “pesadelo” a estas revoluções é uma vil calúnia. Vale a pena considerar quem é que mais considera que esses estados socialistas foram um desastre: esses mesmos representantes dessas mesmas classes exploradoras que foram derrubadas por essas revoluções! A verdade é que, pela primeira vez na história, essas revoluções colocaram o poder nas mãos das massas e ousaram levar a cabo e concretizar transformações sociais nunca antes vistas. Não é de surpreender que esses esforços iniciais tenham tido insuficiências e erros, alguns deles sérios, tanto na implementação como na concepção.
Algumas pessoas alegam que a revolução comunista pode conseguir satisfazer as necessidades materiais das pessoas, mas ao custo inaceitável de perda da liberdade e da individualidade. Mas, apesar dos erros reais, isso não é uma caracterização justa dessas sociedades. Ainda mais importante, hoje em dia a nova síntese de Avakian oferece uma forma diferente e mais emancipadora para se compreender e liderar uma transformação revolucionária. À luz desta nova compreensão é importante perceber que, embora a revolução tenha de ter como seu centro os milhões de explorados e oprimidos, o objectivo da revolução proletária não é nenhuma vingança, mas sim a emancipação de toda a humanidade.
Conclusão
A insurreição na Turquia está intimamente ligada aos ventos de esperança e mudança que têm varrido a região e que são frequentemente denominados de Primavera Árabe. Embora esta tinha sido uma muito necessária lufada de ar fresco e tenha desencadeado um grande entusiasmo, resultando mesmo na queda de alguns regimes, ainda assim esses movimentos não têm resultado numa verdadeira revolução.
Na ausência de uma verdadeira alternativa revolucionária, as mesmas condições, as mesmas linhas de divisão e contradições também podem resultar em horrores. Veja-se o banho de sangue na Síria em que dois lados reaccionários estão a usar e a maltratar as massas populares.
Um grande e extraordinário momento está a ocorrer na história da Turquia. Requer também uma verdadeira revolução no pensamento, caso se queira que as aspirações das pessoas se concretizem. Nós temos a grande vantagem de existir uma compreensão mais rigorosamente científica e revolucionária na nova síntese que pode servir de pilar teórico para se iniciar e levar a cabo um novo processo revolucionário comunista.
Neste momento, é crucial que seja levada a cabo uma luta determinada para que o actual movimento continue a avançar e force o governo a desistir face às justas reivindicações do povo. As forças ao lado do povo têm de se esforçar por unir as suas fileiras de uma forma cerrada e sólida contra este regime e os governantes deste sistema, compreendendo ao mesmo tempo claramente que as forças reaccionárias conhecidas e os seus símbolos políticos como a bandeira do estado turco, encharcada em sangue, não podem de forma nenhuma ajudar aqueles que estão a combater a polícia e o odiado governo desse mesmo estado. Não podemos derrotar os nossos opressores enquanto erguermos a bandeira deles ou defendermos a visão deles. O que deve ser compreendido e rejeitado é tudo o que eles representam.
Uma característica libertadora deste movimento é que ele trouxe para o espaço público muitas questões candentes das condições da sociedade e do mundo para que sobre elas haja debate e luta e para que, ao fazê-lo, se reúna um largo espectro de pessoas de todo o tipo. É vitalmente importante chegar e conquistar muito mais forças de vastos sectores do povo, incluindo entre os proletários e outros grupos sociais oprimidos. Não se pode permitir que o AKP e outros reaccionários continuem a ludibriar e enganar muitos deles contra este movimento e contra o futuro por que eles deveriam estar a lutar.
Há muitas pessoas que anseiam por uma mudança revolucionária, muitas delas sonham novamente com uma revolução. E outras estão apenas a começar a perceber porque é que ela é necessária. É decisivamente importante debatermos, lutarmos e clarificarmos o nosso pensamento sobre como fazer a revolução e emancipar a humanidade. Retirar lições correctas das revoluções passadas, desenvolver concepções estratégicas claras sobre como iniciar e levar a cabo a revolução no mundo de hoje rumo a um mundo de emancipação humana – uma imensa tarefa que não pode ser adiada nem menosprezada. Os velhos argumentos a favor do comunismo já não são suficientes. Envolvermo-nos com a nova síntese do comunismo, de Bob Avakian, é essencial para todos os que desejam armar-se teórica e politicamente para prepararem o terreno e as forças para a revolução que clama por ser feita.
Avançai, a Turquia e o mundo inteiro necessitam de ser transformados através da revolução!
Ishak Baran, 15 de Junho de 2013
Apoiante da nova síntese do comunismo de Bob Avakian e participante veterano no movimento maoista na Turquia.
Distribuído pelo Grupo do Manifesto Comunista Revolucionário (Europa)