Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 23 de Maio de 2011, aworldtowinns.co.uk

O texto que se segue é o primeiro capítulo de um relato escrito para o SNUMAG por Samuel Albert. Descreve o que foi conseguido na revolta da Tunísia, e como. As partes subsequentes irão analisar os factores subjacentes e activadores por trás desta revolta, e o que o futuro pode reservar.

Relato da Tunísia, I e II:
O que aconteceu, porquê e que mais pode vir a acontecer

Por Samuel Albert

I. Grandes coisas

Manifestação em Tunes a 14 de Janeiro de 2011, em que foram gritadas palavras de ordem contra Ben Ali
Manifestação em Tunes a 14 de Janeiro de 2011, em que foram gritadas palavras de ordem contra Ben Ali
(Foto: Christophe Ena/AP)

Grandes coisas aconteceram na Tunísia.

A maior delas foi que os tunisinos, oprimidos primeiro pelos franceses e depois por mais de meio século de um governo autocrático e servil em relação a França e a outros capitais estrangeiros, acordaram para a vida política de uma forma que só acontece em momentos especiais na história. Abandonaram a passividade e os grilhões da rotina e procuraram tomar o destino do seu país nas suas próprias mãos. De facto, as massas populares conseguiram passar a deter a iniciativa política em todo o país — com que frequência isso acontece no mundo de hoje? — e impor mudanças que as classes dominantes tunisinas e a França e os EUA podem estar dispostos a aceitar ou não mas que definitivamente não queriam.

Zidane El Abidine Ben Ali governou a Tunísia durante 23 anos. A 14 de Janeiro de 2011 caiu de uma forma tão inesperada e repentina que o mundo ficou atordoado, incluindo os próprios tunisinos. Desde então, eles já derrubaram dois governos sucessivos e têm estado a desafiar o terceiro. O país mantém-se num raro estado de efervescência.

A Avenida Bourguiba em Tunes é um grande boulevard ao estilo francês, com duas filas de árvores no meio e cafés e lojas caras nos passeios. Desde 14 de Janeiro que quase todas as noites pessoas de todo o tipo se encontram para discutir e debater os temas do dia. As multidões são mais densas à sexta-feira e durante o fim-de-semana. Grupos de estudantes universitários e trabalhadores desempregados mais velhos escutam-se frequentemente uns aos outros. Às vezes, toda a gente grita em uníssono sobre esta ou aquela proposta do governo, sobre se as pessoas devem ou não acalmar-se e regressar ao trabalho e deixar as autoridades tomarem o controlo, ou sobre o Islão e o papel das mulheres na sociedade. Não é invulgar ver uma mulher a proclamar em voz alta os seus pontos de vista perante dezenas de homens à volta dela. Parece ser uma regra que toda a gente consiga falar.

As línguas foram desatadas. O que um estrangeiro ouve inúmeras vezes, vindo de jovens e velhos, homens e mulheres, é o seguinte: “Fomos silenciados toda a nossa vida. Agora vamos falar e ninguém nos pode fazer calar. Nós vamos ser ouvidos. Agora toda a gente vai ter de nos ouvir.”

As pessoas nas abandonadas e empoeiradas cidades mais pequenas do interior do país reúnem-se nas praças e nos cafés onde os homens bebem chá, fumam e discutem de manhã a noite. Querem ter a certeza que o país ainda os está a ouvir. Durante os últimos meses houve várias explosões sociais violentas. Jovens desempregados de pelo menos duas cidades estão em greve da fome, continuando a proclamar a mensagem que um jovem vendedor de rua transmitiu quando se queimou vivo a 17 de Dezembro e desencadeou a revolta: eles preferem morrer a continuar a viver desta maneira.

Em todo o lado, uma das perguntas mais contenciosas é saber se houve ou não uma verdadeira revolução. O actual governo diz que houve e que é o representante da revolução. As forças armadas dizem que houve e que são os protectores da revolução. Nas ruas e nos cafés, as opiniões dividem-se. Um imenso número de pessoas está longe de satisfeita, sobretudo os jovens em geral e as classes mais baixas, e vários sectores das classes médias, incluindo a intelligentsia. O que conseguiram até agora tem demonstrado a sua força potencial e tornou-os ainda mais sequiosos.

A pergunta agora é: Será que o que o povo conseguiu até agora torna possível desencadear o tipo de mudança radical que possa satisfazer as aspirações expressas na sua revolta? Ou será que as vitórias conquistadas com o seu espírito de auto-sacrifício irão ser arrancadas?

II. Como é que tudo aconteceu

Sidi Bouzid, onde tudo começou

Os manifestantes enfrentam a polícia em Tunes a 14 de Janeiro 2011
Os manifestantes enfrentam a polícia em Tunes a 14 de Janeiro (Foto: Christophe Ena/AP)

Sidi Bouzid é a cidade do centro do país onde começou a insurreição. É a capital administrativa de um governorado (província) árido e isolado do mundo por estradas deploráveis, embora esteja a apenas algumas centenas de quilómetros da costa em terreno plano.

— Um médico generalista:

Sidi Bouzid está sempre em último lugar, qualquer que seja o parâmetro de medida que se use. Por lei, os cuidados de saúde são supostamente garantidos a todos, mas nesta cidade há apenas uma pequena clínica mal equipada, e outras cidades não têm nenhuma. Não sei de nenhuma mulher do campo que tenha feito um exame pré-natal. Os dispensários públicos não têm medicamentos — os produtos são ilegalmente vendidos a clínicas privadas.

Não há nenhum ginecologista/obstetra. Porque é que um especialista viria morar para uma província que tem 413 000 habitantes mas que não tem um único cinema? As pessoas vivem dispersas nos campos e em pequenas cidades. Não há nenhuma indústria que concentre as pessoas, nenhuma vida cultural e é difícil chegar às grandes cidades. Só 10 por cento da população está ligada à rede de esgotos. Há 140 000 licenciados universitários desempregados neste país de dez milhões de habitantes e um por cento deles, 1400, vivem nesta cidade de 45 000 pessoas.

— Um professor primário:

Fui um dos primeiros a passar à frente do edifício após Mohammed Bouazizi ter ateado fogo a si próprio, cerca da 1h da tarde. Alguns homens e mulheres estavam a manifestar-se, eram sobretudo familiares.

Chamei os meus camaradas e disse-lhes o que tinha acontecido e que era culpa das autoridades. Aqui há cerca de 6000 professores primários. Somos o maior sindicato e também somos os intelectuais com contacto mais próximo com os jovens. Também vieram outros activistas, entre os quais advogados.

Cerca das 10:30 da manhã seguinte, chegaram muitos polícias vindos de Kasserine (a cidade mais próxima, em direcção à fronteira argelina). A batalha teve início e prosseguiu durante dois dias. Trouxeram cerca de 8000 gendarmes vindos de toda a província. Noventa autocarros cheios deles, mais as motorizadas (brigadas de dois homens, um a guiar e outro a espancar as pessoas). Toda a cidade estava a atirar pedras e a combatê-los — mulheres, jovens, velhos. Não queimámos nem pilhámos nada porque, apesar de tudo, é a nossa cidade.

Ao quinto dia, vieram pessoas de outras cidades e vilas para se manifestarem. Outras cidades de 5 a 10 mil pessoas explodiram. Propagou-se a Gabes na costa, e depois de regresso a cidades do interior com maior dimensão, como Mederine. E depois a Sfax, a 12 de Janeiro, e a outras grandes cidades do litoral. Não fomos para Tunes senão depois de Ben Ali ter fugido a 14 de Janeiro...

- Um professor e líder sindical mais velho e activista político ligado ao Partido Trabalhista Patriótico e Democrático (PT):

A maior parte das pessoas desta região são pequenos camponeses. Cuidam de gado — sobretudo ovelhas — e cultivam azeitonas e outras culturas. Algumas terras são irrigadas, outras não. Aqui não há grandes proprietários. Durante as colheitas, as famílias contratam trabalhadores sazonais, sobretudo mulheres das zonas vizinhas. Há algumas indústrias de conserva de tomate e uma fábrica de aparelhos de ar condicionado, mas não há muitas fábricas. Excepto para os altos funcionários governamentais locais, os padrões de vida variam do OK ao muito mau. Muitos camponeses não conseguem vender as suas colheitas nas cidades do litoral porque não há transportes e são roubados pelos compradores locais. Os programas governamentais e de outras instituições como as cooperativas são geridos por pessoas corruptas com ligações ao regime. Em vez de os ajudarem, extorquem os camponeses.

Numa manifestação em Tunes a 8 de Janeiro de 2011, exigiu-se a libertação das pessoas presas em anteriores protestos
Numa manifestação em Tunes a 8 de Janeiro de 2011, exigiu-se a libertação das pessoas presas em anteriores protestos (Foto: Hassene Dridi/AP)

Os camponeses pobres recorrem ao crédito para comprarem pequenos camiões ou outro equipamento e muitas vezes não conseguem pagar os empréstimos. Os juros são muito altos. Eles acabam por falir e têm de abandonar o país. Quando alguém compra as terras deles — e aqui há poucos grandes capitalistas e ainda menos investidores estrangeiros — irriga-as e produz colheitas para exportação, como uvas, alfaces, pimentos, pepinos e melões. Como estamos tão a sul, as colheitas estão prontas para o mercado logo no início do ano, muito antes da Europa e mesmo do norte da Tunísia.

Não há uma única grande superfície comercial. Há muitos cafés porque não é preciso muito capital para abrir um e não há nada que fazer a não ser beber chá num café. Algumas pessoas compram e vendem álcool ilegalmente.

Até agora, quase ninguém estava interessado em política, sociedade ou cultura. Os feriados tradicionais e os eventos folclóricos eram organizados pelo regime para os seus próprios objectivos políticos. As relações tribais estão a desaparecer porque muita gente está a mudar-se para as grandes cidades. Em alguns lugares desta província, 50-90 por cento da população foi procurar trabalho em Sfax, Monastir e Tunes, ou imigrou ilegalmente para Itália e França.

O que temos aqui são muitas escolas — 313 escolas primárias, 170 escolas médias e várias escolas secundárias. A educação é obrigatória e gratuita. Os camponeses enviam os seus filhos à escola, entre outras razões, porque não têm terras suficientes para dividir entre os seus filhos. Não há mais nada para as crianças fazerem a não ser irem à escola. Mas as escolas estão em péssimas condições e não têm muito equipamento moderno.

As estradas são tão más, sobretudo as estradas rurais, que as crianças que vão para a cidade frequentar a escola secundária não conseguem viajar e têm de encontrar um lugar para viver aqui. Para irem para a universidade, vão para as cidades do litoral. Muitas crianças acabam por morar com outras cinco ou seis pessoas numa garagem. E bebem vinho, tal como a maioria dos jovens.

Isolados das suas famílias e ligados ao mundo pela televisão e pela internet, desejando um estilo de vida moderno que o desemprego e a falta de desenvolvimento não os deixa ter, crescem afastados das suas famílias e tradições. Isto é uma sociedade patriarcal, mas eles não reconhecem a autoridade dos seus pais. Nem sequer deixam que sejam os pais a escolher-lhes a esposa. Isto é uma grande ruptura geracional.

O meu filho está há dois anos numa universidade técnica. Tem 29 anos. Digo-lhe: “Quero que tenhas uma mulher e filhos tal como eu tive”. Ele diz-me: “Não posso, pai. Isso é um fardo muito grande, muita responsabilidade”. Algumas pessoas têm 40 anos e ainda não iniciaram a sua própria família.

Em cima de tudo isto, está o facto de antes os jovens não serem autorizados a falar livremente entre eles e de ninguém os ouvir. A política e a vida política eram-lhes proibidas. A polícia estava nos cafés a impedir as pessoas de falarem.

Houve explosões sociais em 2006, 2008 e 2010 nas zonas mineiras do sul e próximo das fronteiras com a Líbia e a Argélia. A solução do governo foi a polícia e isso agravou a situação. Algumas pessoas corajosas, sobretudo professores, foram condenadas a longas penas de prisão. A situação económica piorou; os vendedores ambulantes de bens de contrabando tornaram-se numerosos. O ambiente geral entre os jovens era muito pessimista e houve suicídios.

Mohammed Bouazizi era um representante típico desses jovens. Não era um licenciado universitário como disse a comunicação social. Tinha um carro ambulante de venda de frutos e legumes. Não tinha licença, pelo que uma agente municipal lhe confiscou a balança. Sem balança, ele não podia ganhar a vida. Queixou-se às autoridades, mas ninguém lhe deu atenção. Uma mulher agente municipal esbofeteou-o na cara.

Jovens tunisinos enfrentam as forças de segurança em Regueb a 9 de Janeiro de 2011
Jovens tunisinos enfrentam as forças de segurança em Regueb a 9 de Janeiro de 2011 (Foto: Abu Omar/AP)

Eu não estava lá quando ele ateou fogo a si próprio frente ao edifício administrativo, a 17 de Dezembro. A família dele organizou um protesto e propagou a palavra a outras cidades através de relações tribais. A 18 e 19 de Dezembro, organizámos manifestações. Havia professores e funcionários públicos e pouco depois a maioria da população da cidade estava nas ruas. As nossas palavras de ordem responsabilizavam o regime pela morte de Bouazizi. A polícia cercou toda a cidade. Reunimo-nos nas instalações da UGTT (a federação sindical). A polícia não nos queria deixar sair de lá para nos manifestarmos nas ruas.

Por isso, os jovens começaram a protestar nos seus bairros. Combatiam a polícia, sobretudo à noite, quando as máquinas fotográficas da polícia não podiam tirar fotos.

As nossas primeiras palavras de ordem foram: “O trabalho é um direito” e “Bando de ladrões — onde está o nosso direito ao trabalho?” Então, o governo central mandou os gendarmes. Gritámos palavras de ordem em defesa da liberdade de expressão e manifestação e da igualdade de desenvolvimento.

A comunicação social não mencionou nada disto. Houve uma ocultação total durante os primeiros dias, mesmo quando os protestos se propagaram a cidades vizinhas. Muitas cidades foram bloqueadas pela polícia e pelos gendarmes. Fizemos vídeos com os nossos telemóveis e colocámo-los online.

“Deixa-nos contar-te como fizemos a revolução”

— Um estudante universitário, Tunes (com meia dúzia de outros estudantes a intervir):

Sou membro do Partido Comunista dos Operários Tunisinos (PCOT). Sou activista estudantil desde 2000, altura em que fomos presos por termos feito uma manifestação na escola. Estávamos sempre a ser espancados pela polícia. Quando Bouazizi se imolou, os estudantes e os membros do sindicato de professores do ensino secundário de Tunes foram a Sidi Bouzid. O regime estava a tentar acalmar o povo. Ben Ali deu dinheiro à mãe de Bouazizi. Nós paralisámos a cidade e usámos os nossos telemóveis para propagarmos as notícias. Muitos camaradas foram atingidos na cabeça na luta com a polícia. Alguns de nós ficámos lá; outros voltaram para Tunes para trabalhar no Facebook e mostrar às pessoas o que estava a acontecer em Sidi Bouzid e Kasserine.

As manifestações começaram a chegar a Tunes a 28 de Dezembro (quando os artistas e profissionais, sobretudo advogados, se manifestaram), mas não de uma forma generalizada antes de 11 de Janeiro, dia em que houve um importante protesto num subúrbio perto da capital. No dia seguinte houve uma manifestação em Beb El Khader, a cerca de um quilómetro do centro da cidade. Um jovem foi aí morto numa outra manifestação no dia seguinte. Sete dos nossos camaradas foram lá. No dia 14, transportámos o corpo dele por toda a cidade e descemos a Avenida Bourguiba, chamando as pessoas a revoltarem-se. As pessoas na rua eram muito respeitosas em relação a nós. Atacámos a polícia. Não queríamos que houvesse mais uma manifestação e que depois toda a gente fosse para casa. Estávamos cansados de ver jovens a ser espancados.

— Um estudante do 3º ano:

Durante muito tempo senti-me como se fosse o único a pensar como penso. Começámos a usar o YouTube e o Facebook porque era a única forma de podermos falar livremente. Depois, em meados de 2010 foram presos dois bloggers e toda a gente ficou assustada.

Quando alguns amigos nos telefonaram e nos disseram o que estava a acontecer em Sidi Bouzid e Kasserine, e a comunicação social não estava a dizer nada sobre isso, ficámos furiosos. Tivemos de nos exprimir. Cerca de cem de nós usámos o Facebook para organizarmos a primeira manifestação no centro de Tunes. A 13 de Janeiro, a polícia prendeu-me a mim e a outros bloggers e deteve-me durante cerca de três horas. Eu já tinha sido espancado antes, com bastões, mas nunca preso. Eles perguntaram-me porque é que nos estávamos a manifestar; eu disse-lhes que era por causa da injustiça.

Protestos numa rua de Regueb, a 9 de Janeiro de 2011
Protestos numa rua de Regueb a 9 de Janeiro de 2011 (Foto: Abu Omar/AP)

Quando me deixaram sair, fui para casa, no bairro operário onde vivo. Na internet vi que outros bloggers também tinham sido apanhados. Dissemos a toda a gente que saísse à rua no dia seguinte. Nessa noite, Ben Ali pronunciou um grande discurso em que disse que não se demitia. Alguns indivíduos — ninguém sabe quem eram — andavam pela cidade em carros sem matrículas e a disparar aleatoriamente sobre as pessoas. Eu estava demasiado assustado para sair. Estava em vigor um recolher obrigatório, mas havia algumas pessoas autorizadas a irem à Avenida Bourguiba para aplaudirem o presidente. Ouvimos dizer que a França e a UE iam enviar ajuda a Ben Ali. Pensei que isso seria o fim disto.

Na manhã seguinte, às 8:30, eu estava na Avenida. Havia três ou quatro mil pessoas frente ao Teatro Municipal. Toda a gente tinha bandeiras tunisinas e cartazes de protesto. Dessa vez não estava a chover. Por volta das 10h ou 11h, a Avenida estava cheia; não havia espaço para mais ninguém. Não pensei que a polícia pudesse atacar, porque estava lá tanta gente e a imprensa internacional estava a ver. Não estava a acontecer nada e então, de repente, dispararam granadas de gás lacrimogêneo. As pessoas na primeira linha frente ao Ministério do Interior começaram a tentar recuar. Pensei que não haveria mais nada nesse dia e que regressaríamos no dia seguinte. Foi um momento inesquecível — as pessoas estavam a chorar ao mesmo tempo que cantavam o hino nacional. Os velhos, as crianças e algumas mulheres afastaram-se. O resto de nós começou a lutar. Lutámos todo o dia.

— Membros e dirigentes sindicais, sede regional da UGTT em Ben Arous, um subúrbio industrial de Tunes:

Esta cidade tem meio milhão de pessoas. Tem fábricas químicas, uma refinaria de petróleo e muitas fábricas como as de sub-assemblagem de componentes electrónicos para empresas automóveis estrangeiras e as de processamento de alimentos. É considerada atraente para o investimento estrangeiro devido aos seus trabalhadores e técnicos qualificados e com estudos e às boas infra-estruturas. A maioria dos trabalhadores aqui é originária desta região.

Nunca fomos um sindicato “normal”. A UGTT foi fundada nos anos 30, durante a luta de libertação. Fizemos trabalho político durante muitos anos, sobretudo na região mineira do sul. A direcção nacional do sindicato apoiou Ben Ali, mas a liderança regional e local esteve contra isso. Como os partidos políticos foram proibidos, os partidos de esquerda trabalhavam sobretudo através dos sindicatos, bem como de organizações de direitos humanos e ONGs.

É verdade, como dizem as pessoas, que a revolução foi feita pela liberdade, e não pelo pão, mas também é verdade que enquanto fomos sufocados pela máfia de Ben Ali as pessoas do interior estavam a sofrer devido às extremas desigualdades regionais e ao desemprego.

Tivemos a nossa primeira reunião aqui a 5 de Janeiro, sobretudo de membros do sindicato e outros trabalhadores. A polícia cercou as nossas instalações. Depois disso, fizemos uma reunião de massas para decidir o que fazer e convocámos uma greve geral regional para 14 de Janeiro, das 10h ao meio-dia.

Ben Ali fechou as escolas por causa da agitação. Os estudantes reuniram-se nas nossas instalações porque não tinham mais nenhum sítio onde se reunirem — a associação de estudantes oficial era controlada pelo regime. Acabou por não haver nenhuma greve porque muitas das fábricas nem sequer abriram nessa manhã. Tudo parou. Por isso, os estudantes e outras pessoas foram manifestar-se no centro de Tunes. Nessa noite, Ben Ali demitiu-se.

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