Comunicado de 1972 das AEs do Porto a convocar uma greve contra o assassinato de Ribeiro Santos
GREVE ÀS AULAS
PELA REVOGAÇÃO DO DESPACHO
CONTRA O ASSASSINATO DE RIBEIRO SANTOS
Ontem, quarta-feira, os alunos da Faculdade de Engenharia e dos cursos de Engenharia da Faculdade de Ciências, em REUNIÃO GERAL, na Faculdade de Engenharia, DECRETARAM GREVE ÀS AULAS NA 6ª-FEIRÀ E SÁBADO, PELA REVOGAÇÃO DO DESPACHO E COMO FORMA DE PROTESTO PELO ASSASSINATO DO ESTUDANTE RIBEIRO SANTOS.
Pela Revogação do DESPACHO
Há mês e meio que os estudantes de Engenharia lutam pela revogação do DESPACHO, saído a 30 de Agosto, que condiciona a passagem de ano a um máximo de duas cadeiras atrasadas por semestre. Assim, através de Reuniões Informativas, concentrações junto ao Reitor e um abaixo-assinado, têm os estudantes feito recuar as autoridades. Foi revogado um EDITAL que obrigaria cerca de 200 estudantes a mudarem de Universidade, por terem reprovado três vezes em exame; foi prorrogado o prazo das inscrições até à resolução dos problemas levantados pela aplicação do despacho. E ontem, o aparecimento do Aviso afixado no Átrio da Faculdade de Ciências, que a seguir transcrevemos, se por um lado é uma tentativa por parte das autoridades para enfraquecer a nossa luta, por outro lado constitui mais uma cedência por parte das mesmas.
AVISO
Para conhecimento dos alunos dos Cursos de Engenharia se transcreve o seguinte despacho ministerial, transmitido hoje, dia 13 de Outubro, por telegrama, à Reitoria desta Universidade:
"Foi autorizado, no corrente ano lectivo e excepcionalmente, só este ano, a inscrição nos cursos de Engenharia dos alunos com mais de duas disciplinas atrasadas. Os interessados devem requerer à Reitoria, até ao dia 3 de Novembro próximo a sua inscrição, indicando o ano do curso em que desejam inscrever-se e quais as disciplinas atrasadas que têm em atraso" (O sublinhado não é nosso; vem a vermelho no aviso).
Em primeiro lugar este Aviso surge na tarde do dia 18, depois de os estudantes de Engenharia terem na parte da manhã decretado dois dias de greve às aulas, aparecendo portanto como uma medida desesperada por parte das autoridades para confundirem os estudantes, e deste modo impedirem prosseguimento da sua luta.
Mas vejamos: em que medida este aviso vem alterar a situação que levou os estudantes a decretarem greve?
Diz-se que "foi autorizada, no corrente ano lectivo e excepcionalmente, só este ano, a inscrição nos cursos de Engenharia dos alunos com mais de duas disciplinas atrasadas". Isto já nós sabemos que não nos serve. Sabemos que só um terço dos estudantes que se matriculam no 1º ano chega a tirar o curso. Sabemos que as percentagens de chumbos em bastante mais de duas cadeiras por semestre, em Ciências, é de 80 a 90%. Os estudantes que se inscrevem este ano pela primeira vez na Faculdade de Ciências, que não têm, por agora o problema, tê-lo-ão no próximo ano. Vamos esperar para o próximo ano para revogar o despacho definitivamente?
0 nosso objectivo principal mantém-se: REVOGACÃO DO DESPACHO JÁ.
Mas nem sequer este ano o despacho foi revogado... Dizer que "com mais de duas disciplinas atrasadas" a inscrição é possível não quer dizer de maneira nenhuma que não haja limite no número dessas cadeiras. Se isso acontecesse que necessidade tinham "os interessados" de "requerer à Reitoria" "a sua inscrição indicando o ano do curso em que desejam inscrever-se e quais as disciplinas atrasadas que têm em atraso"? (Não liguemos ao pleonasmo; foi com a pressa...)
Aliás, foi depois de o próprio Director da Faculdade de Engenharia ter dito na Reunião Geral que se passaria com três cadeiras atrasadas, que os estudantes decretarem greve, demonstrando assim a sua firme disposição de se manterem na luta pela revogação definitiva do despacho.
Tentámos até agora todas as outras foras de luta: enviámos uma moção ao M.E.N., entregamos um abaixo-assinado ao Reitor, concentramo-nos várias vezes na Reitoria, tentámos até marcar uma audiência com o Secretário de Estado da Instrução e Cultura. O que conseguimos com isso foram pequenas vitórias em aspectos parcelares, ou cedências parciais das autoridades. Só com a greve podemos alcançar o que pretendemos.
As pequenas vitórias conseguidas até agora não podem deixar-nos esmorecer. Devem ser um alento para a nossa luta até à vitória final.
Contra a REPRESSÃO
Este despacho é uma tentativa do Governo de solucionar (à sua maneira, como é evidente) os problemas que ele próprio levantou com a Reforma que tem vindo a executar, em particular no que respeita às passagens de ano e às incorporações na tropa. Como de costume é à custa dos estudantes e contra eles que pretende resolver os seus próprios problemas.
Com a saída da Reforma tem-se acentuado a repressão, quer ao nível pedagógico, quer sobre o Movimento Associativo. Assim assiste-se ao encerramento de muitas Associações, à prisão de grande número de estudantes, espingardeamentos sobre os estudantes (caso do 9 de Abril em Coimbra-70) e mais recentemente à prisão de 30 estudantes durante as férias e ao assassinato pela PIDE do nosso colega da Faculdade de Direito de Lisboa José Ribeiro Santos, ao encerramento da Associação do I.S.T. e prisão de dezenas de estudantes na última semana em Lisboa.
Movidos por uma justa indignação, os estudantes do Porto construíram anteontem uma grandiosa jornada de protesto perante mais esta escalada repressiva. Sessões informativas em várias escolas, um "Meeting" no Liceu Alexandre Herculano com cerca de 1000 estudantes, e a manifestação de rua de 1500 estudantes, são os aspectos mais importantes do que foi a luta nesse dia. E no seguimento desta luta que os estudantes das Engenharias decretam greve.
PROPOSTA APROVADA NA REUNIÃO GERAL DOS ALUNOS DAS ENGENHARIAS
Considerando:
– o actual momento repressivo em todo o país e principalmente em Lisboa que levou ao assassinato pela PIDE de um colega, à prisão de cerca de 30 estudantes de Lisboa e ao encerramento da AEIST pelas autoridades;
– que a luta pela revogação do despacho continua dado que as autoridades se têm limitado a manobras divisionistas e dilatórias;
– que estes dois aspectos se integram na luta pela Reforma Geral e Democrática do Ensino e contra a repressão resultante da aplicação da "Reforma Veiga Simão";
– que as informações do Director são ambíguas não nos apresentando nenhuma garantia quanto à revogação do despacho, e que no fundo é mais uma manobra para tentar dividir os estudantes;
Os estudantes de Engenharia em Reunião Geral decidem:
A) Decretar greve geral às aulas durante dois dias – 6ª feira, dia 20, e sábado, dia 21;
B) Que esta jornada de luta assuma ainda as seguintes formas:
1) Que amanhã, quinta-feira, dia 19, se realize uma ampla campanha de esclarecimento e preparação com vista à realização da greve nos dois dias seguintes, com reuniões de curso e, de secção sempre que seja possível;
2) Que seja convocada amplamente para sexta-feira, dia 20, às 15 horas, uma concentração junto da Reitoria com entrega de uma moção;
C) Decidem ainda convocar para 2ª feira, dia 23, às 10 horas, nova Reunião Geral dos Cursos de Engenharia.
NOTA: Esta decisão é extensiva a todos os cursos da Faculdade de Engenharia e aos Cursos de Engenharia da Faculdade de Ciências do Porto.
Para que a greve seja vitoriosa, para que o Movimento Associativo seja reforçado, é imprescindível que todos os estudantes estejam nas suas Faculdades, vão às reuniões dos seus cursos ou secções, participem activamente nos piquetes de greve, assegurem a vigilância permanente sobre o seu cumprimento.
VIVA A UNIDADE DA LUTA DOS ESTUDANTES DAS ENGENHARIAS DO PORTO
PORTO; 19 de Outubro de 1972
A COMISSÃO ELEITA em 14-9-72, constituída por:
– Direcção da Associação de Engenharia,
– Comissões de Curso de Engenharia das Faculdades de Engenharia e Ciências do Porto.
Imagem da 1ª página do comunicado: