Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 5 de Setembro de 2005, aworldtowinns.co.uk
Nova Orleães: Um furacão de injustiça e opressão

“Toda a gente” sabia que Nova Orleães acabaria por enfrentar um desastre – mas ninguém o disse às pessoas.
Depois dos acontecimentos, a ex-secretária do Luisiana para o ambiente, Martha Maddan, disse à comunicação social que fora sempre evidente que um dia um furacão rebentaria os diques que cercam essa cidade, situada abaixo do nível do mar, entre um lago e um oceano. A Agência Federal para a Gestão de Emergências (FEMA) “sabia disso há 20 anos”, disse ela. “Nós sabíamos que um dia este tipo de coisas iria acontecer.”
Os estudos haviam mostrado que os açudes (diques) da cidade poderiam resistir ou não a um furacão de nível três e seguramente não resistiriam a uma tempestade de nível cinco. Mas pouco foi feito para reforçar os açudes ou mesmo para reparar o sistema de bombagem que mantém a cidade seca. O governo federal começou por não aumentar suficientemente o orçamento para a construção dos açudes de Nova Orleães e, mais tarde, em Junho de 2004, cortou-o em dois terços. “Aparentemente o dinheiro foi transferido para o orçamento do presidente para a segurança da pátria e a guerra no Iraque”, comentou a responsável local pela gestão de emergências dessa altura.
Depois do tsunami de Dezembro de 2004 na Ásia do Sul, a FEMA convocou uma reunião para discutir o que poderia ser feito para evitar uma catástrofe semelhante nos EUA. “Nova Orleães era o desastre n.º 1 sobre o qual estávamos a falar”, disse agora um responsável da FEMA – uma vez mais, depois dos acontecimentos. “Estávamos obcecados com Nova Orleães por causa do risco.”
Dado que “toda a gente” – todos os responsáveis envolvidos e os cientistas em que eles confiavam – sabia desse risco, por que é que nada fizeram para o enfrentar? As tempestades de nível 5 são pouco comuns nessa zona. O chefe do Corpo de Engenheiros do Exército responsável pelos açudes diz agora que “Washington lançou os dados”. Arriscaram e esperaram pelo melhor. Dar os passos necessários para se prepararem para o pior teria custado muito dinheiro – embora, como se veio a verificar, muito pouco em comparação com o que vai agora custar reconstruir a cidade. O capitalismo tem uma enorme relutância em gastar tanto dinheiro no que possa vir a acontecer um dia, quando os capitalistas e o seu governo estão totalmente seguros de que essa despesa interferirá com uma ordeira “criação de riqueza”: a confiscação da força de trabalho de milhões de pessoas de todo o mundo, incluindo nos EUA, para servir os interesses de um punhado de pessoas – e os interesses globais do império – como a guerra no Iraque. É tudo uma questão de prioridades.
Poderíamos pensar que mesmo que as autoridades não gastassem o dinheiro para evitar ou pelo menos para diminuir este desastre, elas teriam um plano para minimizar as mortes e o sofrimento humano. O seu plano era “cada um por si” e, confirmando a ética capitalista que estas palavras representam, quem tinha dinheiro suficiente conseguiu escapar ao pior, enquanto aos que nada tinham apenas restava esperar pelo melhor.

A população de Nova Orleães, uma cidade situada no coração das antigas plantações de escravos do sul dos EUA, é constituída por cerca de dois terços de negros. A maioria dos afro-americanos é pobre, e também há muita gente pobre e trabalhadora de outras nacionalidades. Quando o Katrina foi declarado um furacão de nível 5, as autoridades disseram às pessoas para se enfiarem nos seus carros e saírem da cidade. Quem não tivesse carro, ou dinheiro suficiente para comprar gasolina, ou nenhum outro lugar para onde ir – bem, parece que as autoridades nunca pensaram neles. Disseram às pessoas (e ainda dizem) que tinham de fazer uma “escolha” e assumir a sua “responsabilidade individual” pelas consequências. As pessoas que viviam de esmolas (a segurança social), com nada mais que bolsos vazios ao fim do mês antes da chegada de um novo cheque, e os velhos e doentes sem dinheiro, ficaram sem nenhuma alternativa. Dezenas de milhares de pessoas ficaram para trás. Muitas ficaram para cuidar de familiares e de outras pessoas que não podiam partir.
Disseram-lhes para se abrigarem num estádio desportivo chamado Superdome, o que foi quase como mudarem da panela para a chama. Os ventos depressa arrancaram o telhado hi-tech, a água a subir destruiu as canalizações e deixou de haver que comer ou beber. Essas coisas, ao que parece, escaparam à atenção dos responsáveis. De facto, parecia que o que queriam era aprisionar aí as pessoas e não protegê-las. Como disseram os maoistas dos EUA, esse inferno de escuridão e imundície foi o equivalente moderno das entranhas de um navio negreiro.
A polícia tinha ordens para atirar a matar sobre as pessoas que entravam nas lojas, nos hotéis e noutros locais para levar coisas de que precisavam para sobreviver. Quando as pessoas andavam em grupo, as autoridades apelidavam-nas de “quadrilhas perigosas”. Dois dias depois da tempestade, deram ordens à polícia para abandonar as operações de salvamento e se concentrar na protecção de bens e na restauração da ordem. Finalmente, o Exército e a Guarda Nacional foram enviados, de armas engatilhadas – dizendo aos soldados que apontassem as suas armas para baixo, em vez de directamente às pessoas nas ruas, para que as escoltas não fizessem recordar Falluja ao mundo.
Mesmo uma semana após o furacão, as “operações de salvamento” continuavam a reger-se pelas mesmas regras. As pessoas foram retiradas do estádio e disseram-lhes para formarem uma fila sob escolta policial. Elas foram assim mantidas de um dia para o outro sob a mira das armas. Houve pessoas do Superdome que morreram enquanto esperavam na fila pela evacuação, enquanto era dada prioridade aos refugiados que estavam numa situação ligeiramente melhor nos hotéis. O pessoal médico de um hospital público tinha juntado os seus pacientes no telhado e mantiveram-nos vivos durante vários dias usando apenas a sua força muscular para fazer funcionar as máquinas de suporte à vida. Quando avistaram um helicóptero, viram-no aterrar do outro lado da rua, no telhado de um hospital privado em que a maior parte dos pacientes já há muito tinha sido evacuada.
E em todo o lado, os polícias empurravam, enfureciam-se e gritavam com as pessoas como um exército de ocupação.
“Toda a gente” – todas as autoridades pertinentes – sabia que poderia acontecer. A maior parte deles tentou mantê-lo em segredo, para que o seu direito ao poder não fosse posto em causa. Depois, em resposta às interrogações que se colocaram, o maior mentiroso do mundo deu a seguinte desculpa: “Acho que ninguém previu a ruptura dos açudes.” (George W. Bush). Agora que toda a gente, mesmo toda a gente, teve a oportunidade de ver uma ultrajante prova da verdadeira natureza do seu poder, as questões sobre quem são os responsáveis por esta catástrofe e sobre se os poderosos são adequados a governar estão a perturbar o pensamento de muitos milhões de pessoas. O que fazer quanto a isto tornou-se parte da luta que está a decorrer nos EUA sobre o futuro do país: que prioridades devem ser determinantes e quem – que classe – pode e deve dirigir?