Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 20 de junho de 2016, aworldtowinns.co.uk
MSF tomam posição contra a cruel política da União Europeia numa altura em que um número histórico de refugiados enfrenta um mundo nada acolhedor

Os Médicos Sem Fronteiras (MSF) anunciaram que irão recusar futuros financiamentos da União Europeia [UE] e dos seus estados membros “em oposição às suas políticas degradantes de dissuasão e à intensificação das tentativas de empurrar as pessoas e o sofrimento delas para longe das costas europeias”.
A organização humanitária – cujo nome visava originalmente descrever o alcance internacional do seu trabalho médico – citava especificamente o acordo da UE com a Turquia ao abrigo do qual a UE irá pagar a este país para que ele retire os refugiados das suas mãos. Os MSF salientam que a recusa da Europa em considerar a aplicação do estatuto de refugiado às pessoas que chegam às suas costas marítimas vai contra o direito europeu e internacional, rasgando o próprio princípio do direito de asilo estabelecido pela Convenção Internacional dos Refugiados a seguir à II Guerra Mundial. Isto surge numa altura em que há mais pessoas deslocadas violentamente pela guerra ou por perseguição em todo o mundo que nunca antes, mesmo do que durante e após essa guerra, mais de 65 milhões de pessoas segundo um relatório da ONU de 21 de junho.
Esta situação não se deve sobretudo a catástrofes naturais nem sequer à pobreza. A maioria dos refugiados que a Europa quer “legislar para longe da vista”, como descrevem os MSF, vêm da Síria, do Iraque e do Afeganistão, países a cujos habitantes é devida uma dívida de sangue pelos EUA e pelas potências europeias que fizeram tudo o que lhes era possível para alimentarem a guerra no primeiro país e que invadiram e ocuparam no segundo e terceiro casos.
Os MSF também avisaram: “A semana passada, a Comissão Europeia [o órgão político central da UE] revelou uma nova proposta para reproduzir a lógica do acordo UE-Turquia com mais de 16 países de África e do Médio Oriente. Estes acordos irão impor cortes comerciais e na ajuda ao desenvolvimento a países que não impeçam a migração para a Europa ou que não facilitem os regressos forcados, recompensando aqueles que o façam. Entre estes parceiros potenciais estão a Somália, a Eritreia, o Sudão e o Afeganistão – quatro dos dez países com mais refugiados.”
A mesma coisa está a acontecer nos EUA, onde o Presidente Barack Obama, apesar do contraste entre o discurso dele de “decência” e aquele dos líderes políticos abertamente fascistas no país dele e na Europa, deportou mais pessoas que qualquer governo anterior. Está na calha a deportação de quase tantos quantos os que foram expulsos dos EUA durante todo o século XX – 2,5 milhões de pessoas desde que ele chegou à presidência em 2009. (Números extrapolados por Tim Rogers em fusion.net a partir do Anuário Norte-Americano de 2013 sobre Estatísticas da Imigração.) Muitos destes refugiados são de países da América Central que os EUA arruinaram tão seguramente quanto arruinaram o Iraque, o Afeganistão e agora a Síria.
Mesmo naqueles países onde as potências ocidentais ultimamente não intervieram diretamente, enormes populações estão a ser deslocadas pelo funcionamento convulsivo do sistema imperialista globalizado, frequentemente deixando devastação na sua esteira, com conflitos políticos locais e guerras muito embutidas e movidas por esta grande máquina económica e política que devora a humanidade.
Um resultado direto do criminoso acordo UE-Turquia – verdadeiramente um pacto entre gângsteres – é que cerca de 8000 refugiados estão atolados na Grécia, impossibilitados de entrar em qualquer outro lugar da Europa ou de ter esperança de asilo na Grécia. A polícia grega tem deslocado os refugiados para acampamentos onde as condições são tão más que constituem uma forma de castigo que visa forçar as famílias a aceitar a deportação voluntária. Ainda pior, utilizando o acordo com a Turquia para usar essas pessoas como desculpa, os líderes políticos de países como a França estão a declarar abertamente que não têm nenhuma obrigação moral ou legal para acolher nenhum desses refugiados. Esta é uma situação sem precedentes na Europa moderna, um abandono da “máscara humanitária” que a França e outros países europeus há muito têm usado para esconde o seu horrendo passado colonial e presente neocolonial.
Dado que ao abrigo do acordo com a UE foi estabelecido um limite ao número de refugiados que a Turquia pode ser paga para aceitar, numa forma invertida de tráfico humano a uma escala não vista desde o comércio de escravos, a Turquia não tem nenhum uso para mais sírios. Até agora, a Turquia tinha mantido aberta a sua fronteira com a Síria. O objetivo era servir como canal principal para as armas e os homens fornecidos principalmente aos vários grupos islamitas pelos estados do Golfo, pelos EUA e pela própria Turquia. A Turquia esperava poder usar o seu papel na guerra civil síria para emergir como a potência islamita regional mais poderosa. Agora, a Turquia está a construir um muro para impedir as pessoas de fugirem dessa guerra.
A 19 junho, uma vez mais, os guardas fronteiriços turcos dispararam e mataram pelo menos onze sírios que tentavam fugir de uma cidade controlada pelo Daesh (Estado Islâmico), numa altura em que a coligação liderada pelos EUA aumentava os ataques aéreos. Num incidente, sete membros de uma família, entre os quais três crianças, foram mortos, juntamente com dois outros homens, e cinco pessoas ficaram feridas. Os guardas fronteiriços mataram duas outras pessoas num tiroteio separado. A Turquia assassinou um total de quase 60 pessoas nas suas fronteiras este ano, até agora, e espancou muitas outras, segundo relatórios da Coligação Nacional Síria, um grupo de oposição que não pode ser acusado de preconceito antiturco dado que está baseado em Istambul e é apoiado pela Turquia, bem como pelos EUA e pela Europa.
Este é um resultado previsível das políticas da UE, e um resultado que os países ocidentais escolheram ignorar. Ele faz ressaltar a terrível realidade descrita pelos MSF: “Uma vez mais, o foco principal da Europa não é o quão bem serão protegidas as pessoas, mas o quão eficazmente elas são mantidas afastadas.”
Embora os MSF recebam a maior parte do seu orçamento de doações privadas, esta posição corajosa não lhes irá fazer conquistar o apreço dos governos apoiados pelo Ocidente que, nos últimos meses, têm atacado repetidamente os hospitais e os funcionários deles em zonas de guerra, tal como o têm feito os grupos armado islamitas antiocidentais. Até o secretário-geral da ONU Ban Ki-moon, que tem aprovado implicitamente muitos crimes de guerra ocidentais, avisou que a crescente “detenção” e “criminalização” de refugiados ameaça a hipócrita retórica humanitária usada para embelezar a violenta ordem mundial atual.
As potências imperialistas estão cada vez mais a virar-se para “soluções” extremas e mesmo militares para resolverem uma emergência criada pelo seu próprio sistema, basicamente um explodir claro dos efeitos de uma divisão do mundo em exportadores imperialistas de capital e no resto do mundo de que o capital deles se alimenta. Uma “Europa fortaleza” ou uns EUA fortaleza não são sustentáveis, e ninguém propôs nenhuma outra solução que seja remotamente tão realista quanto a revolução em tantos países quanto possível e o mais cedo possível.