Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 11 de Junho de 2007, aworldtowinns.co.uk
Cimeira do G8: “Nós devoramos o mundo”
Os EUA pretendem continuar a dominar de uma forma suprema – e as outras sete principais potências imperialistas estão a tentar fazer manobras que sirvam os seus próprios interesses contra os povos, dentro deste enquadramento. Esta foi a mensagem fundamental da cimeira deste ano do G8 em Heiligendamm, na Alemanha.
O Grupo dos 8 descreve-se a si próprio como uma reunião anual onde os líderes das “principais democracias industriais do mundo” podem falar de uma forma privada e informal. Na realidade, é um conclave das principais potências imperialistas do mundo que engordam à custa da exportação de capital e da divisão do mundo em países dominantes e países dominados, bem como da exploração das massas nos seus próprios territórios de base. Embora tenha sido formado em 1975 para lidar com questões económicas e comerciais, os temas políticos têm figurado cada vez mais nas suas declarações públicas. Nos últimos anos, muito especialmente em Génova, Itália, em 2001, os manifestantes antiglobalização têm-se dirigido em massa a essas cimeiras porque crêem que o G8 enquanto instituição é a principal fonte de muito do sofrimento do mundo e um concentrado do que está errado sobre a forma como o mundo está organizado.
Os que dizem que o G8 deve “Parar de falar e começar a agir” deveriam olhar para um passo crucial, ainda que pouco notado, de acção que a cimeira deu: os oito países concordaram em tomar “mais medidas apropriadas” contra o Irão, se Teerão se recusar a deixar de enriquecer urânio, encorajando exactamente aqueles sobre os quais o dirigente da Agência Internacional da Energia Atómica da ONU, Mohamed El Baradei, avisou na véspera do G8, os “novos loucos” (leia-se: o governo Bush) que querem bombardear aquele país. Embora o que se disse sobre este assunto atrás das portas fechadas permaneça em segredo, nenhum dos chefes de estado achou apropriado ecoar publicamente as preocupações de El Baradei. Isto por si só já é um sinal de que devem ser levadas a sério.
A disputa entre os EUA e a Rússia sobre os planos norte-americanos de instalação de um sistema antimísseis nas fronteiras da Rússia foi um outro sinal dos tempos tumultuosos que enfrentamos. A Rússia acha que fez muitas concessões aos EUA, incluindo não se ter oposto às novas bases norte-americanas na Ásia Central. Em vez de em contrapartida chegarem a um compromisso, os EUA expandiram a Nato até mesmo junto à fronteira russa. Os planos norte-americanos de instalação de mísseis antimísseis na Polónia e na República Checa são um acto de agressão que visa não só a Rússia, mas também a Europa, porque equivale a uma declaração de que os EUA pretendem assumir aí a liderança nas questões militares. Embora essas duas bases previstas não sejam uma grande ameaça para a Rússia por si só, se se tornarem parte de um sistema global antimísseis durante os próximos anos, como os EUA esperam, esse sistema poderá tornar-se capaz de abater os mísseis russos que restam, após um primeiro ataque nuclear norte-americano.
Não é a Guerra Fria, altura em que a ameaça de um conflito nuclear era real e palpável, mas quem não consiga perceber por que é que a Rússia está incomodada com o facto de os EUA estacionarem um punhado de mísseis ao longo das suas fronteiras, deveria lembrar-se de como os EUA reagiram quando a URSS enviou um punhado de mísseis para Cuba em 1963. Esta medida tem como objectivo garantir que a Rússia não segue o seu próprio caminho num mundo dominado pelos EUA. Também está relacionada com o Irão, não no sentido de visar os ainda inexistentes mísseis iranianos – os EUA despejaram um balde de água fria sobre a oferta do presidente russo Vladimir Putin de uma base partilhada na fronteira com o Irão – mas na Rússia, que tem sido o principal arrastador de pés no carro de guerra liderado pelos EUA.
Depois houve a questão do aquecimento global, supostamente o tema central desta reunião. Quando a Chanceler alemã Angela Merkel tentou obter um acordo sobre objectivos obrigatórios para a redução de emissões de dióxido de carbono, os assessores de Bush gritaram que ela estava a cruzar uma “linha vermelha” – os EUA não aceitariam nenhum limite internacional à sua economia, tal como não aceitam nenhuma interferência da ONU no seu “direito” a invadirem quem quiserem. Embora Bush tenha abandonado recentemente o argumento de que, aos seus olhos, o aquecimento global, tal como a evolução, não está provado, um indício de que o seu governo manterá a guerra contra uma abordagem científica foi o anúncio de Washington durante a cimeira de que quer acabar com o seu programa de satélites de monitorização ambiental, cegando assim uma investigação vital sobre as alterações climáticas. O melhor com que Bush concordou no G8 foi que os EUA iriam “considerar seriamente” as propostas de Merkel. Esta intransigência deixou os outros líderes impotentes.
Alguns peritos ambientais como o especialista da Greenpeace em clima e ambiente, Joerg Feddern, não acreditam que o objectivo que Merkel anunciou – reduzir para metade as emissões de gases de estufa até meio do século – esteja à altura da dimensão do problema. Mesmo neste ponto, há boas razões para duvidar que as potências europeias estejam realmente a tentar atingir esse objectivo. A UE no seu conjunto nem sequer cumpriu os menos exigentes critérios definidos pelo Protocolo de Quioto. A Alemanha conseguiu que os requisitos se mantivessem confortáveis para si própria (fazendo, por exemplo, com que o consumo de carvão não contasse para os números da sua poluição), enquanto foram levantadas dúvidas sobre se os números do desempenho aparentemente positivo da Grã-Bretanha seriam reais ou imaginários. A única medida concreta que este G8 aceitou foi marcar novas negociações para o Bali, na Indonésia, no fim do ano, na esperança de haver um novo acordo em 2009 – uma vergonhosa admissão de que, uma vez mais, nada foi conseguido, a não ser lançar fumaça.
O consenso do G8 sobre África também foi um exercício de criminosa publicidade fraudulenta. Os líderes reunidos vangloriaram-se de terem atribuído 60 mil milhões de dólares a medidas contra a SIDA, a malária e a tuberculose nesse continente. Mas 50 mil milhões de dólares desse valor são o mesmo dinheiro que haviam prometido há dois anos em Gleneagles, na cimeira do G8 cujo foco proclamado foi a África. Até agora, não entregaram dois terços desse valor e, desta vez, nenhum país fez nenhum compromisso específico. Uma porta-voz da organização Médicos pelos Direitos Humanos, com sede nos EUA, disse que houve pouco ou nenhum progresso desde então no trabalho de criação de programas universais de prevenção e tratamento da SIDA em África, o objectivo fixado para 2010 pela cimeira de Gleneagles. A cimeira de Heiligendamm nem sequer se preocupou em repetir esse compromisso. Além disso, os líderes do G8 concordaram em reforçar as suas leis de propriedade intelectual, pondo em risco os medicamentos genéricos baratos de que dependem as pessoas nos países pobres.
“O comunicado oficial do G8 está a transformar-se numa lista de desejos, não num documento que vai salvar vidas”, disse a porta-voz dos médicos. Mesmo Bono que, tal como o seu parceiro estrela do rock Bob Geldof, parece acreditar que o G8 não é o problema mas a solução, disse que o comunicado oficial sobre África era “deliberadamente enganador”. Geldof disse: “Isto não foi sério, isto foi uma farsa total”. A Campanha Mundial sobre a SIDA, com sede na Holanda, chamou à cimeira de Heiligendamm “um enorme passo atrás”.
As palavras de ordem e as faixas em Heiligendamm declaravam o G8 como “ilegítimo”. Isso foi amplamente entendido como querendo dizer que é totalmente injusto e imoral que um punhado de países ricos e os seus governantes decidam o destino do planeta e dos seus habitantes. Como proclamava um letreiro, os chefes de estado reunidos eram “Lobos vestidos de lobos” que, como dizia outro, “devoram o mundo”. Os manifestantes estiveram no lugar certo no momento certo e, embora as suas ideias sobre a solução fossem extremamente variadas, o seu ódio ao que consideram inaceitável foi essencialmente unificador e directo ao alvo.