Adaptação de uma tradução feita por C. Tavares de um artigo do n.º 1270, com a data de 13 de Março de 2005, do jornal Revolutionary Worker/Obrero Revolucionario, voz do Partido Comunista Revolucionário, EUA. A versão integral deste artigo está disponível em inglês em revcom.us/a/1270/bush-hypocrisy-iraq-women.htm.
A hipocrisia de Bush e a realidade da opressão da mulher no Iraque
Em meados do ano passado, na Convenção Nacional do Partido Republicano, George W. Bush disse que graças “ao poder norte-americano” no Afeganistão e no Iraque “as raparigas do Médio Oriente sabem que se avizinha um dia de igualdade e justiça”.
Trata-se de uma grande hipocrisia da parte de George Bush, fingir-se defensor da igualdade e da justiça para as mulheres do Médio Oriente (ou de qualquer outro lugar). Afinal, é o mesmo presidente imperial que se junta aos seus amiguinhos Pat Robertson, James Dobson e Franklin Graham para partilharem a mesma ideologia. Esses indivíduos pensam que a Bíblia deve ser interpretada e praticada literalmente e que a mulher deve se submeter ao homem.
A situação das mulheres do Afeganistão e do Iraque, países ocupados pelos Estados Unidos, demonstra que a realidade é completamente oposta ao que Bush declara.
Muitas mulheres do Afeganistão esperavam que a queda dos talibãs pudesse amenizar a sua opressão, que poderiam tirar as burcas que as cobriam dos pés à cabeça, que poderiam sair de casa, ir trabalhar e ir à escola sem medo. Mas a invasão e a ocupação pelos Estados Unidos não trouxe essas mudanças. As mulheres vivem os mesmos horrores que viviam sob o domínio talibã, só que agora o país é dominado por uma potência estrangeira que diz defender a “democracia” e a “liberdade”.
A República Islâmica do Afeganistão é o actual governo que se estabeleceu sob a supervisão dos Estados Unidos. Os fundamentalistas religiosos têm grande influência no governo, como também em muitas partes do país onde o governo central tem pouco controle. Mesmo que não haja lei que diga que as mulheres tenham que usar a burca, entre as mulheres que desejam sair à rua, muitas nem se atrevem, porque têm de se cobrir dos pés à cabeça, pois se não podem ser atacadas, sequestradas ou violadas. E milhões de raparigas não recebem nenhuma educação formal.
No Iraque ocupado pelos Estados Unidos, tanto as mulheres como os homens são baleados em operações militares, maltratados por tropas que fazem rusgas casa a casa e torturados nas prisões militares.
Segundo um relatório da Amnistia Internacional publicado no mês passado, há “denúncias de tortura dos detidos e de tratamentos cruéis, degradantes e desumanos na prisão de Abu Ghraib e noutros centros de detenção dos Estados Unidos, há acusações de abusos e violação de mulheres. Muitas presas falaram com a Amnistia Internacional depois da sua detenção... Relataram espancamentos, ameaças de violação, humilhações e longos períodos em prisão solitária. Mas, como no Iraque a desonra é atribuída às vítimas de crimes sexuais (e não aos que os cometem), muitas mulheres não relatam muitos dos casos.”
A Amnistia também relata ainda que “as mulheres são vítimas de leis e práticas discriminatórias e que lhes são negadas a igualdade de justiça e a protecção contra a violência na família e na comunidade. (...) A pouca segurança tem levado muitas mulheres a ficarem fora do âmbito público. (...) Dentro das suas próprias comunidades, as mulheres estão expostas a maus tratos ou a assassinatos pelos seus próprios familiares por desonrarem a família com o seu comportamento. Tais ‘crimes de honra’ são aprovados pela legislação iraquiana, que permite dar penas ligeiras aos que cometem esses crimes.”
Os Estados Unidos admitem que existem problemas, mas dizem que a situação está a mudar para as mulheres e para todos no Iraque. Diz que o êxito das eleições de 30 de Janeiro mostra o triunfo da democracia e é um sinal de que tudo correu bem.
Mas as eleições nada têm a ver com a expressão da vontade dos iraquianos, nem se tratava de colocar o poder nas suas mãos. As eleições, que foram planeadas e dirigidas pelos Estados Unidos, procuravam legitimar o domínio norte-americano sobre o Iraque, colocar um governo títere de compradores (forças ligadas ao imperialismo) que desse aos Estados Unidos o controlo duradouro sobre o Iraque e o seu petróleo, e que “estabilizasse” o país para servir de base para futuras agressões nessa região.
Para as mulheres iraquianas, as eleições foram um gigantesco passo atrás quanto à sua posição na sociedade. É certo que o governo de Saddam Hussein era brutal e reaccionário, mas pelo menos era laico e a igualdade das mulheres era reconhecida formalmente. Nestas eleições reluziu o espectro de um governo, uma constituição e uma sociedade baseados na lei islâmica.
O principal vencedor foi a Aliança Iraquiana Unida, uma coligação de partidos xiitas dominados pelo Conselho Supremo da Revolução Islâmica do Iraque e pelo Dawa, partidos religiosos afiliados aos mulás fundamentalistas do Irão. Um outro agrupamento político é constituído por forças laicas que participaram nas eleições com o nome de Lista Iraquiana, sob o comando de Ayad Allawi, primeiro-ministro interino que há muito é colaborador da CIA. O terceiro grupo é o dos partidos curdos de compradores amigos dos Estados Unidos.
Decorrem muitas negociações após as eleições e não é ainda muito claro que alianças surgirão ou até que grau o governo e a constituição serão abertamente religiosos. Mas em todo caso é sabido que os fundamentalistas islâmicos e a sua ideologia reaccionária jogarão um papel muito importante na sociedade.
Recentemente, o New York Times noticiou que, em Baçorá, a segunda cidade do Iraque, “desde que caiu Saddam Hussein, os partidos religiosos xiitas transformaram a cidade num centro islâmico. As milícias têm fechado as portas dos bares que vendem bebidas alcoólicas. As mulheres são castigadas se não andarem cobertas de negro dos pés à cabeça. Os juízes conservadores aplicam a Xariá em alguns tribunais.”
Alguns clérigos xiitas querem que a Xariá, ou lei islâmica, seja aplicada a todos os casos que se relacionam com a “família”, como o matrimónio, o divórcio e as heranças. Outros dizem que o Alcorão deve ser a base de todas as leis.
Juan Cole, professor da Universidade do Michigan, explica que a aplicação da Xariá a casos de “família” resultará na “negação às mulheres divorciadas de toda a herança, as raparigas receberão metade da herança dos seus irmãos, as mulheres não terão direito a ajuizar (iniciar) um divórcio, haverá mais restrições a sair à rua e o testemunho das mulheres valerá metade do de um homem”. Ou seja, aplicar a Xariá significa declarar abertamente que a mulher tem somente metade dos direitos de um homem.
A administração Bush mostra cinicamente uma dupla face frente às forças fundamentalistas iraquianas. Por um lado assegura que, graças aos Estados Unidos, os iraquianos agora “têm o controlo do destino do seu país” e que têm a responsabilidade de determinar a natureza do governo e as leis. Donald Rumsfeld disse: “O Iraque é dos iraquianos. Não é para os americanos. Nós não vamos decidir que tipo de país devem ter.” (Claro, é óbvio que os Estados Unidos consideram que quando as massas iraquianas pedem a saída das tropas norte-americanas, essa não é uma “decisão legítima”).
Por outro lado, Bush e os imperialistas apresentam-se como defensores do “progresso” e da “liberdade” no Afeganistão, no Iraque e noutras partes da região, em contraste com os teocratas islâmicos. De novo, é uma descarada hipocrisia. O que as forças fundamentalistas do Afeganistão e do Iraque querem, em nome do Islão, não é diferente do absolutismo da interpretação literal da Bíblia que querem os fundamentalistas dos Estados Unidos (e os da cúpula do governo).
À parte a hipocrisia, querem definir as possibilidades para as mulheres iraquianas, para os iraquianos e para toda a região, entre o “progresso” e a “liberdade” que representam os Estados Unidos, e por outro lado a “ignorância” que representam as forças feudais dos talibãs e outros. Pouco depois da invasão do Afeganistão pelos EUA em 2001, o presidente do PCR – Partido Comunista Revolucionário, Estados Unidos, Bob Avakian, fez um comentário muito importante:
“Essa é uma contradição difícil e delicada. É certo que a imposição da burca (a túnica dos pés à cabeça) e outras limitações às mulheres pelo Talibã são formas de opressão que essencialmente se tem de eliminar com a transformação democrático-burguesa da sociedade. Naturalmente, nós apoiamos as reformas democrático-burguesas contra as relações de opressão feudais e outras relações pré-capitalistas.”
“Em certo sentido, isto é parecido com dizer que a democracia burguesa é ‘melhor’ que o fascismo, se alguém aceitar essa comparação. Mas essa não é a comparação que se deve fazer: a ‘alternativa’ não se deve limitar à sociedade democrático-burguesa (com as suas formas exploradoras, opressoras e repressivas de relações e de governo) contra as formas feudais (ou fascistas) de governo, repressão e opressão. Tampouco devemos esquecer a possibilidade de um governo burguês (ou seja, a ditadura burguesa) de carácter democrático se converta numa ditadura aberta sem disfarces, em fascismo: um ponto muito importante tendo em vista o que está a acontecer hoje na sociedade norte-americana.”
“Não devemos permitir que a situação se defina em termos de decidir quais as ‘melhores’ formas de opressão e exploração (e de ditadura reaccionária).”
“Especificamente, e especialmente nas actuais circunstâncias, não podemos permitir que a situação se defina de tal modo que se aceite a noção (ou pretensão) de que os Estados Unidos e outros imperialistas representam o ‘progresso’ ou a ‘libertação’ para a mulher ou em geral para o Afeganistão e o mundo...”
“Temos que ressaltar que tanto as relações sociais democrático-burguesas como as feudais (e outras relações pré-capitalistas) encarnam uma opressão horrível para a mulher, mesmo que a forma seja distinta; mesmo assim, há que ressaltar que é necessária uma ruptura radical com tudo isso: com as formas pré-capitalistas e com as formas burguesas (e democrático-burguesas) de opressão, exploração e repressão.”
(De “A hipocrisia imperialista e a opressão da mulher pelos talibãs”)