Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 14 de Dezembro de 2009, aworldtowinns.co.uk
A guerra do Afeganistão e a nova estratégia de Obama
Após meses de debate entre os principais estrategas militares e políticos dos EUA e de consultas com outros governos imperialistas ocidentais, o Presidente norte-americano Barack Obama anunciou finalmente as linhas gerais de uma nova estratégia para o Afeganistão. O aspecto mais importante foi a sua decisão de enviar durante os próximos seis meses tropas adicionais suficientes para quase triplicar o número de ocupantes desde que recebeu a Casa Branca de George W. Bush.
No início deste ano, Obama começou por aumentar para 21 mil o contingente que o seu antecessor George W. Bush tinha enviado. Mas, em Agosto, o recém-nomeado comandante norte-americano e da Nato no Afeganistão, General Stanley McChrystal, alertou para um “fracasso da missão” se nem sequer obtivesse mais soldados. Isto levou a um debate mais aberto dentro da classe dominante dos EUA. Algumas pessoas, como o vice-presidente Joe Biden, opuseram-se a um grande aumento do número de forças; outros, como o embaixador dos EUA no Afeganistão, um general que antes aí estivera colocado, apoiaram isso. O Secretário da Defesa Robert Gates, que já foi da CIA, também fez pressão por mais forças. Os dois lados teceram argumentos do ponto de vista dos interesses dos EUA no Afeganistão e na região.
No final do debate, essas figuras militares e políticas chegaram a um acordo para cumprirem o pedido de McChrystal. Os seus aliados da Nato anunciaram depois que enviariam outros 7000 soldados para o Afeganistão, elevando o total de forças de ocupação para pelo menos 140 mil. (O total exacto é desconhecido. Alguns países, incluindo os EUA, recusam-se a dar números exactos, dado que algumas das suas tropas são forças especiais secretas. Outros países contabilizam os seus efectivos armados como formadores, não como soldados.) Além disso, Obama e outros chefes de governo de países imperialistas anunciaram que querem treinar um exército “nacional” do Afeganistão e a força policial de 240 mil membros. Isto corresponde a muitas vezes mais que o objectivo inicial de 70 mil, definido na conferência de Bona de Dezembro de 2001, onde os países da Nato planearam a ocupação.
O número de tropas norte-americanas vai ultrapassar o número de soviéticos no auge da sua ocupação.
Depois de tudo isto, no seu discurso de 1 de Dezembro, Obama disse descaradamente ao povo afegão: “Nós não temos nenhum interesse em ocupar o vosso país”. Isto após oito anos de ocupação e da imposição de uma criminosa guerra contra o povo!
O fracasso da anterior estratégia
O ponto central do discurso de Obama foi uma franca declaração de que a anterior estratégia dos EUA para o Afeganistão tinha fracassado. Esta nova honestidade resulta de uma realidade que os EUA foram forçados a reconhecer, um factor muito mais importante na construção de uma certa unidade nos círculos dominantes dos EUA que o estilo suave e de procura de consenso do presidente. “A actual situação é insustentável”, declarou ele. O seu discurso não foi tanto um plano para uma vitória garantida como uma defesa de que os EUA não podem perder no Afeganistão, e tem sido exactamente isso o que tem acontecido.
Alguns dos conselheiros de Obama percebem porquê: a própria ocupação tem vindo a alimentar o renascimento dos talibãs. Tentar descobrir uma saída desta contradição foi uma das razoes para o debate ter sido tão prolongado. Nenhuma “vaga” de tropas ou alteração de estratégia pode mudar o facto de que se trata de uma guerra injusta, uma ocupação, uma tentativa de dominar um país e o seu povo, desde a humilhação nacional ao nível mais elevado ao facto de as tropas de ocupação andarem a revistar homens e mulheres nas ruas e nas estradas ou a invadir as suas casas a meio da noite.
Os ocupantes encabeçados pelos EUA reabriram a notória prisão de Bagram a norte de Cabul, que tinha sido usada antes pelos ocupantes soviéticos e que é odiada pelo povo tão intensamente como sempre. Obama prometeu vir a fechar Guantânamo, mas os EUA não têm nenhum plano para fechar a sua “prisão negra” de Bagram, onde os presos ainda desaparecem durante meses ou para sempre, e estão a construir uma nova e maior prisão na sua vizinhança.
Os soldados dos EUA e da Nato têm encarcerado, torturado e feito com que muitos milhares de pessoas fiquem sem casa. Disparam os seus mísseis contra multidões de civis e contra casas. O mais recente dos seus repetidos massacres foi o assassinato de pelo menos 140 pessoas num ataque com mísseis em Kanduz, em Setembro passado. Conjugado com isto, as pessoas têm sofrido com a nítida deterioração das condições económicas e com outros padecimentos devidos aos danos e ao caos da ocupação e à corrupção que com ela floresce. Como poderia ser de outra forma, uma vez que o regime de Karzai é encabeçado por senhores da guerra, por senhores da droga e por outros oportunistas nacionais vendidos e interesseiros? Quem mais poderiam os EUA contratar como administradores locais da ocupação?
Esta situação colocou os talibãs numa forte posição para se aproveitarem das massas descontentes. As atrocidades dos ocupantes e o fracasso do regime por eles instalado criaram uma atmosfera em que muitos dos elementos das massas no sul e oeste do país apoiam os talibãs e os habitantes do norte e oeste estão a tornar-se neutros em relação à presença dos talibãs. Isto apesar do facto de um grande número de pessoas ter odiado o regime dos talibãs.
Por conseguinte, os esforços ocidentais para dividirem a liderança talibã e atraírem alguns deles para negociações com o objectivo de se juntarem ao regime têm fracassado até agora. Os talibãs acham que não têm necessidade nenhuma de ficarem por aí e que não têm nada a ganhar em ficarem associados a um regime desacreditado e a ocupantes odiados. Isto tem dificultado as tentativas dos EUA para separarem os talibãs da Al-Qaeda, de forma a poderem isolar a Al-Qaeda e a poderem perseguir. De facto, os esforços norte-americanos para o fazerem apenas tornaram a situação ainda mais ingovernável. Em resultado disso, o Paquistão foi profundamente arrastado para essa guerra regional e não há nenhum sinal de qualquer fim à vista.
A nova estratégia de Obama
A nova estratégia de Obama baseia-se numa certa compreensão política da situação e dos objectivos políticos. Porque a sociedade e o futuro que os talibãs oferecem são tão reaccionários, e porque os afegãos já tiveram uma tão grande e amarga experiência do seu regime, os EUA têm alguma razão para esperar que eles não conseguirão mobilizar e basear-se no povo no seu todo, e que a sua atração política e ideológica e o seu alcance militar serão limitados, social e geograficamente. Devido a isto, o plano de Obama é de os EUA aplicarem suficiente pressão militar para convencerem os afegãos comuns de que é impossível derrotar a ocupação. Isto implica multiplicar em muitas vezes o número de “botas” e de força bruta que os EUA estão a aplicar no Afeganistão, não necessariamente para derrotarem os talibãs no sentido militar mais restrito de eliminarem as suas forças, tal como os EUA e os seus aliados têm tentado fazer sem sucesso, mas de forma a mostrarem uma força militar suficiente para que os afegãos comuns não vejam os talibãs como uma alternativa viável.
A alteração de estratégia militar que Obama definiu, até ao ponto em que houver mudança, serve esse objectivo. O novo plano põe ainda maior ênfase em tropas de combate e reduz a dimensão dos anteriores planos para conquistar “os corações e as mentes”, os quais não produziram nenhum resultado para os EUA. Obama prevê abandonar as tentativas de extirpar os talibãs através do envio de patrulhas ocupantes em profundidade e de lhes negar qualquer santuário e, em vez disso, centrar-se em “limpar e manter” as cidades e outros pontos estratégicos. Trata-se de tornar claro que, mesmo que os EUA não consigam eliminar os talibãs de uma forma decisiva, lhes possam negar qualquer perspectiva de alguma vez tomarem o poder a nível nacional. Esta perspectiva tem sido um importante factor da crescente força dos talibãs e do fracasso das negociações ocidentais para convencerem alguns líderes talibãs.
Aquilo de que Obama pouco falou, mas que altos responsáveis da sua administração discutem abertamente na comunicação social norte-americana, é sobre como os EUA planeiam lidar com o facto de a sua guerra no Afeganistão se ter propagado ao Paquistão: espalhando e intensificando a guerra também aí. Uma das primeiras medidas de Obama em Janeiro foi escalar os ataques com naves não tripuladas no Paquistão, numa flagrante e impenitente violação do direito internacional e da soberania paquistanesa e que apenas expõe o grau em que o regime paquistanês – um dos regimes do mundo mais amargamente odiados pelo seu próprio povo – depende dos EUA. Agora, não só esses ataques como as investidas secretas de comandos vão ser incrementadas. “O presidente autorizou uma intensificação da campanha contra a Al-Qaeda e os seus aliados violentos” no Paquistão, disse um responsável norte-americano ao The New York Times a 3 de Dezembro. Isto significa “Mais pessoas, mais lugares, mais operações” – mais forças norte-americanas e operações norte-americanas em mais zonas do Paquistão.
Ainda pior, o governo de Obama obrigou as forças armadas paquistanesas a envolverem-se em duas gigantescas campanhas contra os talibãs paquistaneses no vale Swat e no Waziristão Sul, matando e ferindo muitos civis e expulsando cerca de um milhão de pessoas das suas casas, com temperaturas geladas. Muitas ainda estão a viver em acampamentos ou ao ar livre, com o tempo a piorar. O plano de Obama promete muito mais disto, incluindo talvez o alargamento das ofensivas governamentais ao Baluchistão.
Dado que, inicialmente sob a tutela britânica e depois dos EUA, o Paquistão foi criado e colado enquanto estado islâmico, é compreensível a relutância da classe dominante paquistanesa a se envolver numa guerra civil contra os fundamentalistas islâmicos e não é infundado o seu temor de que o país se possa desintegrar.
Contudo e uma vez mais, embora reconhecendo as dificuldades e os perigos que enfrentam, os EUA consideram, tal como defendeu Obama, “a actual situação não é sustentável” no Paquistão, bem como no Afeganistão, e estão a dar um salto em frente num risco imprudente. O futuro da região pode ser incerto para os EUA com o plano de Obama, mas aos seus olhos a derrota é apenas muito certa se os EUA não multiplicarem a pressão militar numa tentativa de alterarem a equação e a situação política.
Mas esta situação tem alguns elementos muito favoráveis aos EUA: não poderia pedir nada melhor na sua guerra injusta que os afegãos tenham que se ver forçados a escolher entre Obama e Bin Laden, entre o líder de um império global que roubou qualquer perspectiva de um futuro decente aos povos de tantos países, por um lado, e o principal símbolo mundial da jihad fundamentalista islâmica, por outro. Nisto, há uma diferença fundamental entre a guerra no Afeganistão, tal como está a decorrer actualmente, e a guerra no Vietname. Aí, os vietnamitas lutavam numa base revolucionária. Foi isso que deu à resistência a sua força. Os fundamentalistas religiosos que representam e impõem novas e tradicionais formas de exploração e opressão podem conquistar apoio, mas nunca poderão mobilizar e basear-se no espírito de abnegação, de iniciativa e de criatividade do povo. Apesar de todas as tentativas desajeitadas de Obama de explicar porque é que a sua guerra não é como a do Vietname, isto é algo que ele não pode dizer. Nem pode salientar uma outra diferença: as pessoas de todo o mundo começaram a apoiar e a identificar-se com a justa guerra do povo vietnamita e a considerá-los seus irmãos e irmãs numa luta comum contra a ordem mundial imperialista.
É notável que, no seu discurso de 1 de Dezembro, Obama tenha dado muito menos ênfase que o seu antecessor na Casa Branca à retórica sobre a libertação das mulheres e sobre levar a democracia, alegações que a realidade da ocupação desacreditou completamente e um critério que apenas poderia ser usado contra ela. Em vez disso, ele dirigiu o seu apelo aos habitantes dos EUA em termos supostamente pragmáticos: “Se eu não pensasse que a segurança dos Estados Unidos e a segurança do povo norte-americano não estivessem em jogo no Afeganistão, eu ordenaria de bom grado que cada um dos nossos soldados regressasse a casa amanhã”.
O que é uma mentira aqui – uma monstruosa mentira – é que isto tenta encobrir o que os próprios EUA fizeram para construir o fundamentalismo islâmico, sobretudo no Afeganistão. Isto vem desde os dias em que o Secretário da Defesa de Obama, Gates, era o número dois da CIA que armou, financiou e ajudou a organizar uma guerra santa islâmica contra os rivais soviéticos dos EUA, os quais estavam a fazer o que os EUA estão a fazer agora no Afeganistão. Mesmo a ascensão dos talibãs ao poder, através da intervenção dos serviços secretos do Paquistão trabalhando de perto com a CIA, foi favorecida pelos EUA. Agora, a ocupação pelos EUA e todas as coisas horríveis feitas ao serviço dos interesses imperiais norte-americanos ainda estão paradoxalmente a criar as condições para o florescimento do fundamentalismo islâmico. O que está em jogo estende-se muito para lá do Afeganistão.
Obama também mencionou o início de uma saída das forças dos EUA, em Julho de 2011, durante os últimos seis meses do seu mandato. Isto foi tanto uma reacção ao medo, que há dentro da classe dominante, de um “outro Vietname”, uma guerra combatida muito tempo depois de ter provado não ser possível vencer, bem como uma tentativa de calar a oposição do povo norte-americano. Porém, passados alguns dias, os dois altos responsáveis do seu governo, a Secretária de Estado Hillary Clinton e Gates, anunciaram que eles não consideravam isso uma “data limite”. Gates disse que ele está a planear retirar apenas “um punhado, ou um pequeno número” nessa altura, dependendo de uma reavaliação. Ambos confirmaram que mesmo agora podiam prever que a actual guerra poderá demorar ainda muitos anos.
A nova estratégia de Obama representa uma entorpecedora intensificação da ocupação e uma acentuada dependência da força militar. Quer resulte ou não, é muito provável que se traduza em muitos mais milhares de mortes e mesmo em mais miséria para o povo afegão. A própria natureza da ocupação reaccionária é uma fonte de guerra e instabilidade na região e levará o povo a continuar a sofrer e a lutar. Um dos principais factores que poderia mudar a situação seria se as forças revolucionárias pudessem organizar o povo com o objectivo de expulsar os imperialistas como parte da luta por um mundo novo livre de toda a exploração e opressão.