Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 19 de Agosto de 2013, aworldtowinns.co.uk
Egipto: Qual a resposta ao actual banho de sangue?
Por Samuel Albert
As forças armadas egípcias estão a massacrar o povo a uma escala massiva, e estão a fazê-lo com o apoio dos EUA. Este é o momento não só para nos opormos a este terrorismo, mas também para denunciar a mão norte-americana por trás dele.
Se algum regime que os EUA vissem como estando no seu caminho estivesse a fazer o que o exército egípcio está a fazer – a massacrar manifestantes desarmados e mesmo prisioneiros – como, por exemplo, Assad na Síria, os EUA e seus aliados não estariam a “rever” a ajuda, a enviar diplomatas, a fazer chamadas telefónicas e a cancelar manobras militares conjuntas em relação às quais o exército egípcio está demasiado ocupado para se preocupar agora. Eles estariam a rugir na ONU, a gritar sobre “linhas vermelhas” e a ameaçar com ataques aéreos ou outras formas de intervenção armada. Os políticos imperialistas que exprimem dúvidas quanto à luz verde que Washington deu a este golpe de estado não são apenas hipócritas. Eles também estão correctamente preocupados que possa não correr a favor dos interesses norte-americanos.
As forças armadas não conseguiriam ter avançado com tanta facilidade se não tivessem recebido o apoio de massas organizado pelos liberais e “esquerdistas”, entre as quais as organizações de jovens que convocaram manifestações para a Praça Tahrir e outras praças para apelarem aos generais que os salvassem do governo islamita e, assim, deram legitimidade ao golpe. Apenas algumas semanas antes, alguns dos que agora se estão a tentar dissociar dos crimes do exército andavam a gritar “O povo e o exército são uma só mão”.
Estas palavras de ordem, que surgiram em Janeiro de 2011 quando o exército abandonou Mubarak, reapareceriam mais tarde nesse ano, quando o exército disparava sobre cristãos, jovens e outras pessoas que se manifestavam contra isso. Na altura, os islamitas cortejaram o exército em vez de se oporem a essa repressão violenta. O exército viria depois a dar-lhes o seu consentimento para formarem um governo, embora nunca tenha abandonado os ministérios chave e outras posições, nem o seu poder de veto. No entanto, essas palavras de ordem não representam mais que uma ilusão. Face à difícil e assustadora desordem actual, é um programa para o restabelecimento da velha ordem ou pior.
Mas também não é verdade que nenhum dos elementos que agora dominam o palco político – o exército, os principais políticos liberais ou os islamitas – tenha subitamente “traído a revolução”. Estes eventos mostram que não houve nenhuma revolução, e que todos eles são reaccionários que nunca mudaram a sua natureza e objectivos enquanto manobravam no meio de situações complexas e variáveis. Qualquer movimento revolucionário genuíno não só deveria compreender estas coisas como fazer o seu melhor para levar essa compreensão a tantas pessoas quanto possível. Em vez de denunciarem tanto os liberais como os islamitas, muitas pessoas que se apelidam de revolucionárias procuraram refúgio sob as asas de um ou outro desses poderosos inimigos e andaram atrás das ilusões pró-ocidentais e religiosas que ambos os lados propagaram e as massas populares têm vindo a sofrer desde o início.
A situação é agora diferente da de quando a revolta espontânea contra Mubarak parecia unir as pessoas, ou pelo menos as pessoas mais activas. Agora, as pessoas estão divididas, arrastadas e por vezes andando de um lado para o outro entre dois bandos reaccionários, sob as bandeiras de guerra do Islão político e a adoração de ilusões patrocinadas pelo Ocidente.
De um lado estão os proponentes liberais dos valores ocidentais propagandeados como “liberdade”, sobretudo o “mercado livre” que tem esmagado a vasta maioria das pessoas em todo os países, e a correspondente crença numa democracia capitalista ao estilo ocidental e no seu sistema de eleições que nunca resultaram em nenhuma mudança fundamental em nenhum lugar. Eles não têm senão desprezo e repressão para oferecer às massas urbanas empobrecidas e à mais de metade da população que vive nas zonas rurais.
Quando estes representantes locais escolhidos pelos imperialistas viram a sua oportunidade, os liberais abandonaram a sua retórica sobre a vontade da maioria, os direitos políticos e o estado de direito e viraram-se para as “forças armadas da nação” que nunca foram as forças armadas do povo e da nação como alegam muitos supostos marxistas no Egipto. O exército sempre pertenceu às classes dominantes exploradoras egípcias dependentes do imperialismo, e foi alimentado à colher e levado pelo nariz pelos EUA durante as últimas quatro décadas.
Do outro lado estão os islamitas que alegam representar a “liberdade” em relação ao domínio, hipocrisia e humilhação ocidentais, ao mesmo tempo que institucionalizam as relações económicas e sociais e o pensamento retrógrados que ajudaram a manter o Egipto fraco e vulnerável ao domínio do capital estrangeiro. O projecto deles é combinar a exploração, a opressão e a desigualdade com o falso consolo da religião, a caridade hipócrita da mesquita e a sufocante solidariedade da “comunidade dos crentes” que abole qualquer pensamento crítico.
Eles não querem libertar a nação, muito menos tornar possível o florescimento da criatividade das pessoas e os aspectos positivos da cultura nacional como parte libertada de toda a humanidade, capaz de fazer uso de todos os feitos humanos. O princípio mais central deles – “O Islão é a solução” – impede a unidade da vasta maioria das pessoas. Em vez disso, eles querem unir aqueles que queiram submeter-se-lhes com base numa crença religiosa específica e forçar os restantes a aceitá-la. Isto exclui os cristãos, os seguidores de outras variantes do Islão (como os Sufis), os muçulmanos sunitas praticantes que rejeitam a teocracia, os agnósticos e os ateus, ou por outras palavras, uma grande percentagem da população. A solução deles para a “desordem” induzida pelo Ocidente é a imposição pelo estado da autoridade religiosa e de relações entre as pessoas regidas pelo sistema patriarcal, que é a pedra de toque da ordem social e moral que eles desejam. Não admira que tanta gente esteja aterrorizada com a perspectiva de um governo deles.
Ambos os lados são representantes de uma ordem reaccionária e inimigos das melhores aspirações pelas quais as pessoas lutaram e morreram gritando “Dignidade” e “Pão, liberdade e justiça social”, e nenhum deles tem um programa para um Egipto que não seja subordinado ao sistema imperialista mundial. Embora os islamitas tenham assustado muita gente para os braços dos generais, é provável que a ofensiva assassina do exército fortaleça a atracção pelo Islão político.
Muitas pessoas estão a tentar parar esta espiral perversa. O que é necessário é uma mudança de jogo, um núcleo de homens e mulheres unidos e lutando – nas ruas e nas mentes das pessoas – por verdadeiros objectivos revolucionários, uma verdadeira alternativa ao mundo tal como ele é hoje, uma transformação política, económica e social do Egipto para que ele se torne numa zona base de um mundo livre de todas as formas de opressão e exploração.
Essa perspectiva de base científica poderia começar a transformar-se numa força material, mobilizando um crescente número de pessoas – os oprimidos excluídos da vida política e outras pessoas de toda a sociedade – para se oporem aos generais e às não-soluções representadas pelos liberais e pelos islamitas e avançarem rumo ao objectivo do poder político revolucionário. Esta é a única forma como as pessoas podem começar a se libertar das suas grilhetas mentais, eliminar as divisões entre elas à medida que se unem pela emancipação da humanidade de todas as formas de exploração e opressão.
Apesar de difícil como certamente o é, qualquer outra solução é uma ilusão. Esta é a solução para o actual banho de sangue pela qual as pessoas de pensamento revolucionário em todo o lado precisam de trabalhar e de apoiar.