Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 3 de Dezembro de 2007, aworldtowinns.co.uk

A violência contra as mulheres e o assassinato de Zahra Bani Yaghoub no Irão

Zahra Bani Yaghoub
Zahra Bani Yaghoub

Pessoas em muitos países levaram a cabo marchas, manifestações e outras acções e actividades a 25 de Novembro para fazer avançar a luta pelo fim da violência contra as mulheres. Essa data marca o assassinato em 1960 das irmãs Mirabel, três jovens activistas políticas da luta contra a ditadura de Trujillo apoiada pelos EUA na República Dominicana. As activistas marcam esse dia desde o início dos anos 80. Em 1999, a Assembleia Geral da ONU apelou à realização de eventos nesta data todos os anos. A ONU relatou: “Pelo menos uma em cada três mulheres em todo o mundo já foi agredida, coagida a ter relações sexuais ou abusada de outra forma durante a sua vida – sendo o abusador normalmente conhecido dela... A violência contra as mulheres e as raparigas continua sem diminuição em todos os continentes, países e culturas.” (Relatório do Secretário-Geral, 2006, discurso do Secretário, 2007). Isto é pelo menos uma subestimação da profundidade e da extensão mesmo deste reflexo mais óbvio da opressão das mulheres.

Esta violência não é menos real e excessiva nos países ocidentais, onde é proibida por lei. Por exemplo, na Grã-Bretanha, 30 por cento das mulheres são abusadas violentamente pelo seu companheiro ou ex-companheiro. Nos EUA, as estatísticas do FBI indicam que 1400 mulheres por ano morrem de “violência doméstica”, quase sempre às mãos dos seus maridos ou companheiros.

O artigo que se segue analisa um conhecido caso recente no regime islâmico do Irão, tendo em conta a universalidade e a urgência desta questão no mundo de hoje.

A 23 de Novembro realizou-se uma homenagem à Dra. Zahra Bani Yaghoub pela família dela, parentes, amigos e algumas mulheres activistas em Teerão, junto à campa dela. A família dela manifestou uma vez mais cepticismo em relação à versão dos carcereiros dela de que ela tinha cometido suicídio. O pai dela disse: “Eles (as autoridades) manipularão o caso mas nós temos muitos documentos que indicam que a minha filha não cometeu suicídio, mas foi assassinada. Um dia virá em que eles se cobrirão de vergonha.” (Página de notícias diárias em língua persa akhbar-rooz.com, 24 de Novembro)

Zahra Bani Yaghoub, de 27 anos, estava a entrar a 11 de Outubro com o noivo num parque da cidade de Hamedan (Irão central) quando foi presa pela “Polícia da Virtude”, as forças de segurança encarregues de impor um “comportamento islâmico”. Num período de 48 horas após a sua prisão, ela foi violada durante a sua custódia e depois declarada morta. Apesar de uma tentativa orquestrada pelas autoridades para impedir a propagação das notícias, a sua morte chocou e enfureceu muita gente.

Poucas pessoas acreditaram nas alegações oficiais de que Zahra cometera suicídio. As pessoas estão familiarizadas com essas mentiras. Há dois anos, as autoridades tinham anunciado a morte de um líder e activista estudantil encarcerado, Manouchehr Mohammadi. Disseram que ele tinha tido um ataque cardíaco, mas muita gente acha que ele morreu em resultado de intensa tortura. A nova afronta recordou às pessoas a morte de outra Zahra, o internacionalmente conhecido caso de Zahra Kazmi, a jornalista iraniano-canadiana que, há alguns anos atrás, foi presa pelas forças de segurança do Irão, encarcerada, violada e depois morta.

Bani Yaghoub trabalhava como médica interna num bairro pobre em Hamedan. Depois de ela e o noivo terem sido presos, ele foi libertado sob fiança, mas ela foi mantida sob custódia. A sua família em Teerão apenas foi informada 24 horas depois. Antes de a sua família ter conseguido chegar à prisão, ela já estava morta. A família não acreditou na alegação de que a sua filha tinha cometido suicídio e as declarações contraditórias dos responsáveis tornou-as ainda mais suspeitas. Já foi entregue uma queixa. Shirin Ebadi, a famosa advogada, manifestou interesse em assumir o caso e foi aceite pela família de Zahra.

O irmão de Zahra disse que tinha falado com ela ao telefone a 13 de Outubro às 20h45 e que o estado de espírito dela era bom. Depois, ele perguntou-lhe se ela tinha sido maltratada, ela disse que não e entretanto acrescentou: “Está alguém a aproximar-se de mim”. Depois, a chamada foi desligada. O examinador médico declarou que ela tinha morrido no mesmo dia às 21h00, apenas 15 minutos depois de ter falado com o irmão.

O caso ainda está sob investigação e pode passar muito tempo até chegar aos tribunais. Há poucas razões para se esperar um julgamento justo e verdadeiro. A investigação será mais provavelmente uma tentativa de encobrimento e de destruir as provas e tentará resolver favoravelmente – para as autoridades – as declarações contraditórias que antes fizeram. Mas mesmo que não fosse esse o caso, quase ninguém espera um julgamento justo. Embora a investigação à morte de Zahra Kazemi ocorra sob pressão internacional, o veredicto – de que a sua morte foi um acidente, que resultou de ter batido com a cabeça quando desfaleceu devido a uma greve de fome – não passa de uma tentativa de esconder o facto de que ela foi torturada.

Muita gente acha que quer Zahra Bani Yaghoub tenha cometido suicídio ou não, a responsabilidade pela sua morte recai sobre os ombros do regime islâmico patriarcal e antimulheres que domina o Irão.

A sua morte não foi um acidente isolado, e é muito improvável que tenha sido sequer um acidente – tal como a morte e a violação de Zahra Kazemi não foram um acidente e como a violação em grupo e a execução de Atefeh – uma adolescente que foi violada em grupo sob custódia e depois condenada à morte e executada por zina (sexo fora do matrimónio) – não foram um acidente. Na realidade, esses incidentes e os milhares de violações, violações em grupo e outros actos de violência contra as mulheres que ocorrem diariamente são o resultado natural de uma sociedade onde a opressão das mulheres não só é uma característica central como está abertamente escrita na lei. No Irão actual, estes incidentes também são um resultado dos planos e dos programas que foram desencadeados contra as mulheres nos últimos seis meses em nome da defesa da “segurança da sociedade”, incluindo uma crescente ofensiva da Polícia da Virtude, cujo trabalho visa esmagadoramente controlar o comportamento das mulheres – não cobrirem suficientemente o cabelo e o corpo, falarem ou rirem alto, com quem estão, etc. Se uma mulher andar sozinha, será incomodada. Se caminhar com um homem, será também incomodada e ficará em dificuldades a menos que possa provar que ele é um parente próximo. Mesmo as mulheres que caminham com um irmão, pai, sobrinho ou tio são frequentemente paradas, interrogadas e mesmo presas.

As autoridades do regime confirmaram terem prendido Zahra ao abrigo da ofensiva contra a chamada “ameaça à segurança da sociedade”. O seu crime, a única razão por que os responsáveis do regime a consideraram uma ameaça à “segurança da sociedade” e a terem violado e matado, foi que ela não estava a caminhar com um homem oficialmente relacionado com ela. Isto mostra que as mulheres com a mais leve tendência para a independência são consideradas uma ameaça ao regime e ao sistema que ele impõe, onde as mulheres não são mais que um corpo a ser possuído ou usado para reprodução ou prazer sexual. Eles consideram todas as mulheres prostitutas ou mesmo criminosas a menos que provem o contrário. Apenas dão às mulheres uma oportunidade para provarem o contrário – frequentemente impõem o castigo antes do julgamento e em muitos casos isso tem significado violação e morte.

Violar mulheres presas políticas tem sido uma prática comum na República Islâmica do Irão desde que existe. Eles têm cometido repetidamente esse crime e nem sequer o tentam esconder. Sobretudo em 1980, quando os Pasdaran, os “Guardas Revolucionários” do regime, prenderam raparigas adolescentes como membros ou apoiantes de organizações revolucionárias ou mesmo apenas por distribuírem folhetos, frequentemente violando-as antes de as executarem para que as suas vítimas não morressem virgens e assim fossem para o “céu”. Agora, numa altura em que o regime enfrenta um comportamento mais rebelde das mulheres comuns que estão fartas das suas políticas antimulheres e reaccionárias, essa prática tem sido cada vez mais usada contra as mulheres, mesmo as que não são presas por razões políticas. E, no caso de Zahra, o acto criminoso das forças de segurança, desta vez disfarçadas de Polícia da Virtude, não é apenas um reflexo pleno e verdadeiro de um regime extremamente antimulheres, mas também uma mensagem para todas as mulheres iranianas, sobretudo as que não estão dispostas a ceder completamente perante esse regime. A mensagem é que se não obedecerem e não se deixarem tornar escravas, vão ser as próximas Zahra. Desta forma, se uma mulher não for ela própria vítima de violação, ela é vítima da ameaça de violação ou de outras atrocidades pelo estado. E isto serve precisamente para intensificar o domínio dos homens sobre as mulheres. Esta intensificação e as repetidas violências e ameaças contra as mulheres mostram que as leis antimulheres, bem como as tradições antimulheres que suportam relações sociais retrógradas, não têm controlado as jovens rebeldes que estão decididas a não alinharem nisso.

O regime islâmico do Irão aumentou a sua repressão do povo e sobretudo das mulheres nos últimos seis meses. Alguns dos principais objectivos da actual ofensiva são as jovens e o seu comportamento. Em conjunto com outras políticas repressivas, isto é uma reacção à fraqueza do regime e ao mesmo tempo uma reacção às ameaças dos EUA de atacarem o Irão. O regime islâmico, como todos os regimes reaccionários e antipopulares, é incapaz de se basear no povo. Em vez disso, tem medo do povo, ao mesmo tempo que nega a possibilidade de um ataque dos EUA ao Irão e deixa o povo desprevenido face a isso.

Durante décadas, os EUA e outros imperialistas ocidentais em geral apoiaram silenciosamente a restrição e a repressão de diferentes sectores do povo e sobretudo das mulheres do Irão. Agora que procuram mais desculpas para atacarem o Irão, estão a tentar usar os crimes do regime islâmico para legitimarem uma agressão que é puramente motivada pelos seus interesses globais. Eles fizeram as mesmas alegações a propósito das suas invasões do Afeganistão e do Iraque. Mas essas invasões apenas pioraram a situação das mulheres. Segundo um relatório da ONU, a violência contra as mulheres aumentou no Afeganistão desde o início da ocupação. No Iraque sob ocupação norte-americana, as mulheres perderam todos os seus bens e tornaram-se alvo da violência tanto dos militares norte-americanos como dos fundamentalistas islâmicos. Isto está bem documentado. A violação de mulheres nas prisões do Afeganistão e os casos de violação de mulheres por soldados norte-americanos, nas prisões e nas suas casas, são apenas alguns exemplos. Porém, o apoio dos EUA à violência contra as mulheres não se limita ao Iraque e ao Afeganistão. A situação das mulheres, incluindo a violação sistemática de mulheres prisioneiras em países cujos regimes desfrutam do apoio total dos EUA, como o Paquistão e a Índia, mostra a sua verdadeira abordagem em relação às mulheres, mesmo sem ter em conta a opressão e violência contra elas que está no centro da própria sociedade norte-americana.

É por isso que o povo do Irão, ao mesmo tempo que luta contra um regime islâmico brutal, precisa de dizer não à agressão dos EUA, independentemente dos pretextos que possam ser usados para a justificar.

Principais Tópicos