Ribeiro Santos — 50 anos depois
Honrar a sua memória, promover a luta revolucionária
No próximo dia 12 de outubro passarão 50 anos da morte do estudante universitário José António Leitão Ribeiro Santos, assassinado por um agente da polícia politica portuguesa PIDE/DGS durante uma reunião estudantil a 12 de outubro de 1972, em Lisboa, no antigo Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (ISCEF, atual ISEG).
Ribeiro Santos participava numa reunião convocada como “Meeting contra a repressão – O heroico povo vietnamita em luta contra a agressão imperialista”. Na realidade os dois temas da reunião eram uma alusão à luta contra o regime fascista e contra a guerra colonial.
Nas instalações do ISCEF, momentos antes da reunião, os estudantes detetaram a presença de um “bufo” (um informador da PIDE/DGS), que recusa identificar-se, e que tinha estado a tomar notas sobre os cartazes afixados. O “bufo” acabaria por se identificar como Fernando Lopes Manuel. Os estudantes estavam a tentar decidir o que fazer com ele, quando membros da Direção da Associação de Estudantes (AE), ligados ao partido revisionista PCP, intervêm para o salvar, argumentando que “o coitado não é da PIDE”. A própria PIDE é chamada para confirmar se o “bufo” era ou não informador, e rapidamente chega uma brigada de 2 agentes que se reúne de emergência com a Direção da AE e o Secretário do ISCEF. Na sequência dessa reunião, os pides avançam provocatoriamente para o anfiteatro onde os estudantes estavam reunidos, acompanhados do Presidente da Direção da AE, onde são recebidos por vaias e apupos dos estudantes. O revisionista Aranda, Presidente da AE, responde com apelos à “calma” e à “ordem”. Os estudantes, entre os quais Ribeiro Santos, enfrentam os torcionários da PIDE e um deles empunha a arma, com óbvia intenção de matar. O primeiro tiro atinge fatalmente Ribeiro Santos. Um outro estudante da FDL, José Lamego, avança para o pide, conseguindo baixar-lhe a mão, enquanto o pide continua a disparar. O último tiro atinge José Lamego, ferindo-o na perna. Este agente da PIDE, que assassinou Ribeiro Santos, António Gomes da Rocha, foi detido após o 25 de Abril de 1974, mas acabaria por escapar na infame “fuga” de pides em 1975. Feridos, os dois estudantes acabariam por ser levados para o Hospital de Santa Maria em dois carros separados. Ribeiro Santos chegou ainda com vida mas acabaria por morrer pouco depois. José Lamego acabaria por ficar 3 meses preso na Prisão de Caxias.
O assassinato de Ribeiro Santos, de 26 anos, marcou um ponto de viragem na luta contra o regime fascista de Salazar e Marcelo Caetano. O funeral, dois dias depois, no sábado, 14 de outubro, mobilizou cerca de 5000 estudantes e antifascistas frente à casa de Ribeiro Santos, na atual Calçada Ribeiro Santos. Os estudantes e população tiveram que lutar ferozmente contra o cerco policial e as cargas das forças policiais do Estado Novo (polícia de choque e PSP). Os estudantes, aos gritos de “Assassinos! Assassinos!”, tentaram levar a urna para iniciar um cortejo a pé até ao cemitério da Ajuda. A polícia investiu com toda a violência. Os estudantes e a população conseguiram resistir durante cerca de 45 minutos e usaram todos os meios disponíveis para responder às arremetidas da polícia, incluindo o arremesso de pedras da calçada. Só com reforços a polícia consegui apoderar-se da urna e introduzi-la no carro funerário, seguindo a alta velocidade para o cemitério, sob escolta policial motorizada. Durante os confrontos, dezenas de pessoa foram detidas e muitas ficaram feridas.
Os estudantes dividiram-se em vários grupos para se dirigirem ao cemitério, a 6 km de distancia, distribuindo comunicados e à população gritando palavras de ordem contra a PIDE, a guerra colonial e o regime fascista. Foram sendo intercetados pela polícia, à qual foram respondendo com mais pedras. O cemitério da Ajuda estava completamente cercado pela polícia, usando carrinhas, carros de canhões de água e cães polícias. Ainda assim, cerca de 1500 pessoas conseguiram assistir ao funeral e gritar “Assassinos! Assassinos!”. No exterior, centenas de pessoas que não conseguiram entrar gritaram as mesmas palavras de ordem. Foi convocada uma nova concentração para mais tarde, no Marquês de Pombal, com cerca de 300 pessoas, que depois avançaram para a Avenida Duque de Loulé (onde pararam frente à então Embaixada dos EUA), percorrendo depois a Avenida Conde Redondo, Avenida Alexandre Herculano, Avenida da Liberdade e Rua das Pretas em direção ao Martim Moniz. Pelo caminho, apedrejaram montras de bancos e carros da polícia. A polícia foi prendendo dezenas de pessoas, sobretudo se aparentassem ser estudantes.
Nas semanas seguintes, ocorrem por todo o país manifestações e ações-relâmpago, greves estudantis, confrontos, destruição de vidros de bancos e do Ministério das Corporações, cargas da polícia, prisões de estudantes, e várias universidades são mesmo encerradas.
Nos meses que se seguiram, muitos estudantes e muitas outras pessoas horrorizadas com a brutalidade do regime fascista sentiram a necessidade de se juntar à luta pelo derrube do regime. Muitas pessoas, sobretudo estudantes, o assassinato de Ribeiro Santos foi o dia em que perderam o medo e decidiram que tinham de se juntar à luta contra o regime fascista. Durante os meses que se seguiram até ao 25 de Abril de 1974, Ribeiro Santos foi constantemente evocado em inúmeras publicações e comunicados clandestinos e em inúmeras reuniões e outros eventos, tendo-se tornado num símbolo da luta antifascista. A fotografia dele foi abundantemente reproduzida.
Ribeiro Santos nasceu a 19 de março de 1946 em Lisboa e aqui frequentou o Liceu Pedro Nunes, onde se iniciou nas lutas estudantis. Entrou para a Faculdade de Direito de Lisboa (FDL) em 1965 e aí trabalhou na Secção de Propaganda, foi vice-presidente da Associação de Estudantes para as Relações Internas, presidente da Mesa da Assembleia-Geral e delegado de curso do 4º ano. A FDL era então o principal covil dos chamados “gorilas”, normalmente ex-comandos recrutados pelo Estado e conhecidos pela sua brutalidade e pelas cargas e ocupações policiais das universidades e por uma grande atividade de constante vigilância dos estudantes e professores.
Na FDL, além da atividade associativa, Ribeiro Santos envolveu-se em muitas outras atividades, nomeadamente no auxílio às vítimas das grandes cheias no Ribatejo em novembro de 1967, um evento anteriormente também serviu para mudar a consciência de muitas pessoas. Os muitos estudantes que acorreram aos locais atingidos pelas cheias depararam-se com as populações a enfrentar a destruição total das suas habitações e com muitos mortos. Mas a propaganda governamental anunciava uma inexistente normalidade e a quase total ausência de vítimas. No regresso a Lisboa, muitos estudantes esforçaram-se por divulgar a verdadeira realidade e denunciar as mentiras das autoridades.
Na FDL, Ribeiro Santos acaba por aderir à Federação de Estudantes Marxistas-Leninistas (FEML), a organização do Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado (MRPP) para a juventude estudantil. Ribeiro Santos participa também num outro movimento ligado à FEML, o Ousar Lutar, Ousar Vencer, criado para elevar a um outro nível a luta revolucionaria antifascista. O MRPP (mais tarde Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses – PCTP/MRPP) foi nos anos 1970 a mais ativa das organizações maoistas em Portugal, inspirada diretamente pela revolução chinesa (liderada por Mao Zedong) e em particular pela Revolução Cultural na China.
É importante referir que já alguns antes, Francisco Martins Rodrigues havia rompido com o Partido Comunista Português (PCP), denunciando as suas conceções erradas da luta contra o regime fascista e da luta anticolonial, bem como posicionando-se ao lado do Partido Comunista da China na cisão do movimento comunista internacional. Martins Rodrigues fez um importante balanço da historia do PCP e do movimento operário português e fundou e liderou o Comité Marxista-Leninista Português (CMLP), mas este acabaria por ter uma influência limitada nesses tempos, devido à prisão de toda a sua direção. Além disso, isto aconteceu quando o impacto da Revolução Cultural na China era ainda limitado.
Seria o MRPP que viria a ter uma grande importância na divulgação das ideias revolucionárias de Mao e num combate mais ativo ao fascismo e ao revisionismo (os falsos “comunistas” que tinham revisto o legado marxista-leninista, transformando-o num mero reformismo, abandonando a via revolucionária e promovendo a conciliação com alguns setores da classe dominante). Foi o MRPP que propagou a ideia de que não era marxista-leninista quem não era maoista e que mais divulgou as ideias de Mao, nomeadamente na crítica ao revisionismo, à condenação das posições da União Soviética de conciliação com o imperialismo e transição pacífica para o socialismo. Apesar disso, a compreensão das ideias de Mao era limitada, também devido à dificuldade que então havia em obter publicações da China. Em particular, não havia uma grande compreensão das ideias de Mao sobre a construção de uma sociedade socialista, rumo ao comunismo, desenvolvidas sobretudo durante a Revolução Cultural. Mas o MRPP foi a principal organização a introduzir uma nova atitude na luta revolucionária. Em particular, mudando o foco da luta contra os efeitos do fascismo como a repressão para uma atitude mais radical de combate global ao capitalismo e ao imperialismo. Isto resultou numa atividade muito mais ousada e corajosa que alterou profundamente a luta antifasta.
É este espírito de não conciliação e luta radical, não por pequenas reformas inconsequentes, mas pelo objetivo final de luta pelo fim do capitalismo-imperialismo e pela instauração de uma sociedade muito melhor, o socialismo, rumo ao comunismo, que é importante recordar neste momento em que honramos e recordamos Ribeiro Santos.
Adenda (12 de outubro de 2022)
Integrada nas comemorações dos 50 anos do assassinato de Ribeiro Santos realizou-se no Arquivo Nacional da Torre do Tombo durante os últimos dois dias (10 e 11 de outubro) a Conferência Internacional “O assassinato de Ribeiro Santos em 12 de Outubro de 1972 — Resistência juvenil, ditaduras e políticas de memória”.
Também hoje de manhã se realizou uma Romagem de homenagem a Ribeiro Santos no Cemitério da Ajuda em Lisboa.
Hoje à noite, na RTP2, às 23h47, passará o documentário “12 de Outubro de 1972: O Dia em que Perdemos o Medo”.
Ver também o programa de radio da Antena 1 “De Cravo ao Peito - Ribeiro Santos assassinado pela PIDE”, de 12 de outubro de 2022.
Fotografias inéditas do funeral de Ribeiro Santos, da autoria de Zacarias Duarte Ferreira e cujos negativos foram recentemente entregues ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT)
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