Publicado originalmente no sítio do jornal Revolution/Revolución, voz do Partido Comunista Revolucionário, EUA (em inglês a 27 de novembro de 2023 em revcom.us/en/what-pause-fighting-gaza-has-not-paused-ongoing-us-backed-palestinian-genocide-israel e em castelhano a 30 de novembro de 2023 em revcom.us/es/lo-que-la-pausa-en-los-combates-en-gaza-no-ha-puesto-en-pausa-el-continuo-genocidio-contra-los).
O que a “pausa” nos combates em Gaza não pausou: A continuação do genocídio contra os palestinos por parte de Israel com o apoio dos EUA
Na sexta-feira, 24 de novembro, Israel fez uma “pausa” na sua ofensiva genocida contra o povo palestino em Gaza (ainda que tenha intensificado a sua desapiedada “limpeza étnica” na Cisjordânia [inglês/castelhano]). No momento em que publicamos este artigo, esta “pausa” mantém-se, com Israel a concordar em respeitar a trégua enquanto o Hamas libertar dez reféns por dia.
O que é que a “pausa” altera? Comecemos pelo que não altera:
Esta “pausa” não muda o facto de que o governo israelita jurou destruir totalmente o Hamas, a organização política que governa Gaza. Também não muda o facto de o primeiro-ministro do governo israelita, Benjamin “Netan-nazi” Netanyahu, ter apelado a que Israel emulasse o quase total genocídio feito pela figura bíblica de Saul contra o povo de Amalek, ou de o ministro da defesa ter chamado “animais” a todos os palestinos e ter dito que eles devem ser tratados como animais (ou seja, presumivelmente abatidos).
De facto, “Netan-nazi” disse ao governo dele na véspera da trégua: “Há muitos disparates por aí, dizendo que, após a pausa para conseguir o regresso dos nossos reféns, iremos terminar a guerra. Então, que fique claro: Estamos em guerra e vamos continuar a guerra. Vamos continuar a guerra até atingirmos todos os nossos objetivos de guerra — eliminar o Hamas, conseguir o regresso de todos os nossos reféns e desaparecidos e garantir que não há nenhum elemento em Gaza que ameace Israel.” (Dado que agora Israel está a prender pessoas, incluindo israelitas, pela mais leve das dissidências, pensem no que significa esta última frase.)
A pausa não altera o facto de que, durante sete semanas, foi negado ao povo palestino de Gaza água, combustíveis, medicamentos, alimentos e outros bens de primeira necessidade da vida moderna. A pausa não fez regressar por magia nenhum dos 1,7 milhões de refugiados palestinos (quase três em cada quatro habitantes de Gaza!) às suas casas. A pausa não permitiu que esses refugiados deixassem de dormir nas ruas, longe das suas casas, sem os mais básicos requisitos para a existência humana.
A “pausa” não reconstruiu por magia os hospitais destruídos de Gaza: a guerra tornou inoperacionais 27 dos 35 hospitais da Faixa de Gaza e os restantes estão apenas parcialmente operacionais, segundo a Organização Mundial de Saúde.
A “pausa” também não devolveu a vida às mais de 5 mil crianças que os militares israelitas assassinaram.
Ela também não acabou com o pedido de Biden de mais de 14 mil milhões de dólares de ajuda militar a Israel, a somar aos 3 mil milhões de dólares que Israel já obteve este ano.
A “pausa” não alterou o horror da situação em Gaza
Quando a trégua entrou em vigor, um repórter da agência noticiosa Associated Press descreveu Gaza como uma “paisagem lunar inabitável”. Bairros inteiros foram transformados em escombros e pó, com um incontável número de cadáveres por baixo e o fedor da morte a saturar o ar. Casas, escolas e hospitais foram arrasados pelos ataques aéreos e incendiados pelos disparos dos tanques de guerra. Alguns edifícios na metade norte de Gaza continuam de pé, mas metade deles são carapaças perfuradas. Quase um milhão de palestinos fugiu do norte do território, incluindo do local com maior concentração de pessoas, a Cidade de Gaza, à medida que se intensificaram os combates terrestres.
Israel disse ter bombardeado mais de 15 mil alvos antes do atual cessar-fogo, muitas vezes atingindo zonas densamente povoadas com bombas de 900 quilos de fabrico norte-americano que podem arrasar uma torre de apartamentos. Como medida de quantos civis não-combatentes são alvo dos massivos bombardeamentos israelitas em Gaza, já foram declaradas mortas em Gaza mais do dobro das mulheres e crianças do que na Ucrânia após quase dois anos de ataques russos, segundo as estimativas das Nações Unidas.
No momento em que publicamos este artigo, a maioria das 2,3 milhões de pessoas que sobreviveram em Gaza estão acumuladas na parte sul do território, para onde Israel as ordenou que fugissem, sem recursos para sobreviverem. Muitas delas estão a dormir nas ruas debaixo de lonas. Elas carecem dos mais básicos requisitos para a existência humana. Segundo a ONU, a produção de água em Gaza foi reduzida pelos bombardeamentos israelitas a menos de 12% da que havia a 7 de outubro.
Mais de um milhão de pessoas estão a dormir em escolas da ONU transformadas em refúgios. Muitos dos que foram obrigados a fugir do norte de Gaza esperavam aproveitar a curta interrupção dos bombardeamentos israelitas para regressar a casa para ver como estavam os familiares de quem tinham perdido contacto, enterrar os seus mortos ou recuperar alguns dos seus pertences das suas casas. Mas as centenas de milhar de pessoas que tinham sido evacuadas do norte para o sul de Gaza foram avisadas de que não regressassem através de panfletos lançados do ar por Israel. As tropas israelitas ocupam grande parte da zona norte, incluindo a Cidade de Gaza. Duas pessoas que tentavam regressar às suas casas no norte foram assassinadas por disparos das tropas israelitas e pelo menos outras 11 ficaram feridas.
Sofian Abu Amer explicou a um repórter por que razão arriscou tentar chegar à sua casa na Cidade de Gaza: “Não temos suficiente roupa, comida e bebidas”, disse ele. “A situação é desastrosa. É melhor que uma pessoa morra.”
A “ajuda” proporcionada pela pausa é pouco mais do que uma piada cruel
Devido aos 15 anos de bloqueio israelita que estrangularam a agricultura, a pesca, a purificação de água, a construção e outras indústrias de Gaza, os seus habitantes têm sobrevivido graças aos alimentos e outros artigos de primeira necessidade importados e doados. Antes de 7 de outubro, cerca de 10 mil camiões de produtos comerciais e humanitários, sem contar com os de combustíveis, entravam mensalmente em Gaza, segundo a ONU. Isto equivale a cerca de 330 camiões por dia.
Isto põe em perspetiva a obscenidade de “deixar” entrar um número estimado de 50 camiões por dia, caso a trégua se prolongue por quatro dias. Um representante da Sociedade do Crescente Vermelho Palestino (o equivalente islâmico da Cruz Vermelha), disse ao canal Al Jazeera que isso não era senão uma “gota de água no oceano”.
Aquilo a que estão a chamar “trégua”, ou “pausa”, não é verdadeiramente uma pausa num sentido significativo. É uma suspensão temporária dos bombardeamentos. E permitir a entrada de um pingo de ajuda, não através dos inúmeros postos fronteiriços entre Israel e Gaza, mas apenas através do posto de Rafah que liga o sul de Gaza ao Egito.
Mas não é nenhuma pausa na miséria, no sofrimento e na morte.
O que a pausa de facto fez foi “ganhar tempo” para os combatentes
Não conhecemos as motivações e o processo de tomada de decisão interna dos principais “intervenientes” neste conflito. Mas podemos dar uma vista de olhos a como esses diferentes intervenientes têm estado a usar a pausa no contexto do que eles têm vindo a fazer e dizer, e assim ter uma melhor compreensão da verdadeira dinâmica subjacente.
- Netanyahu usou esta pausa para começar a trazer de volta alguns dos 200 reféns tomados pelo Hamas no ataque de 7 de outubro a Israel e para, pelo menos, se gabar de que está a satisfazer as crescentes exigências feitas no interior de Israel para que dê prioridade ao regresso dos reféns, em vez da continuação da guerra — ao mesmo tempo que deixou clara a sua intenção de prosseguir com a eliminação do Hamas.
Israel também pode ter a esperança de silenciar, pelo menos temporariamente, alguma da indignação em todo o mundo, especialmente no interior do seu principal patrono, os EUA, ao mesmo tempo que também, segundo as palavras do jornal New York Times, tenta “recolher novas informações durante a pausa, e assim fazer planos para a sua próxima fase da guerra”. É possível que use esta pausa para avaliar se ou como mudar de tática.
- O Hamas “mediu” pelo menos algumas das capacidades militares israelitas, e tem agora a oportunidade de se reagrupar e fortalecer contra o que provavelmente será uma investida israelita assim que a pausa termine. A pausa também permite ao Hamas libertar alguns dos milhares de presos políticos detidos por Israel, através da troca de alguns dos seus reféns.
- Para os EUA e a administração Biden, que trabalhou para ela ocorresse, a pausa fornece uma aparência de “busca da paz” num momento em que aqueles que vê como sendo a sua “base de apoio” estão fortemente divididos em relação ao apoio total de Biden a Israel. Esta luta tem criado sérios problemas aos Democratas, com esta divisão a chegar mesmo a importantes agências governamentais e às equipas dos congressistas Democratas eleitos (inglês/castelhano). A pausa também permite aos EUA reduzir a pressão, pelo menos temporariamente, enquanto lidam com muitos outros desafios a nível internacional, sobretudo o da Rússia na Ucrânia e o da China num sentido mais geral.
Neste momento, estão a ser alimentadas esperanças de que esta “pausa” conduza a um cessar-fogo e depois a algum tipo de resolução. No entanto, os seguintes factos continuam a existir:
- O governo de “Netan-nazi” continua publicamente comprometido com uma total aniquilação do Hamas e a instalação de algum tipo de novo regime em Gaza, ainda por determinar.
- O Hamas fez uma grande aposta com o seu ataque de 7 de outubro e está agora a lutar pela sua existência.
- Os EUA não se podem permitir uma grande derrota de Israel, nem querem uma continuação da guerra e da “instabilidade” nessa região estratégica do mundo num momento em que enfrentam grandes desafios de outros imperialistas (uma vez mais, a Rússia e, ainda mais estrategicamente, a China).
Não podemos prever para onde tudo isto irá, mas uma coisa É clara:
A luta contra a guerra genocida dos EUA e Israel não deve “pausar”, antes deve intensificar-se: ser ampliada e aprofundada e ter mais claramente como alvo não apenas Israel mas todo o sistema do imperialismo norte-americano que o apoia e dela beneficia.
“Se os nossos filhos não morrerem da guerra, morrerão do frio do inverno e da fome.”
Israel tem bombardeado, asfixiado e paralisado sistematicamente as já frágeis infraestruturas de cuidados médicos de Gaza, e destruído sistematicamente os sistemas de água, de esgotos e de refúgio.
Sob o pretexto de que albergava um “centro de comando e controlo” do Hamas (uma reivindicação apoiada por Biden e pelos EUA), Israel bombardeou, disparou mísseis e invadiu o maior hospital de Gaza, Al-Shifa, na Cidade de Gaza. Israel prendeu ou deteve os administradores do hospital e expulsou o pessoal, os pacientes (incluindo os bebés nas incubadoras) e as pessoas que procuravam refúgio no hospital — horrendos crimes de guerra. Josef Federman, um repórter da Associated Press, estava entre os que foram levados numa estritamente limitada “visita guiada” de “prova” do suposto centro de comando e controlo do Hamas no Al-Shifa. Ele relatou que o que os militares israelitas mostraram estava, no melhor dos casos, “muito longe do elaborado centro de comando que os responsáveis disseram inicialmente estar debaixo do Al-Shifa”. O editor internacional da BBC, Jeremy Bowen, escreveu: “Não acredito que as provas que Israel mostrou, até agora, sejam convincentes em termos do tipo de retórica que os israelitas estavam a usar sobre a instalação no hospital, a qual sugeria que era um centro nervoso da operação do Hamas.”
“Os repetidos ataques de Israel que causam danos a hospitais e ferem trabalhadores de saúde, já duramente atingidos por um bloqueio ilegal, devastaram a infraestrutura de saúde de Gaza”, disse A. Kayum Ahmed, conselheiro especial sobre o direito à saúde da organização Human Rights Watch (Observatório dos Direitos Humanos). “Os ataques a hospitais mataram centenas de pessoas e colocaram muitos pacientes em grave risco por não conseguirem receber cuidados médicos adequados.”
O que antes era uma crise de saúde escalou para uma catástrofe. Em meados de novembro, a estação das chuvas chegou a Gaza. Em todo o sul de Gaza, as crianças que dormiam debaixo de tendas de plástico tremiam com as roupas encharcadas, enquanto as inundadas e reviradas estradas e descampados se convertiam em lamaçais. Os esgotos e as ruas alagados estão a propagar doenças com grande rapidez.
As doenças respiratórias já eram a sexta causa de morte na Faixa de Gaza antes do início dos genocidas bombardeamentos israelitas no mês passado. Cerca de 70 mil pessoas estão agora a sofrer de graves problemas respiratórios. Estão a ser registados dezenas de milhar de casos de diarreia, em que metade das vítimas são crianças com menos de cinco anos, segundo a Organização Mundial de Saúde. A causa é esmagadoramente a água potável contaminada. Entre outros surtos fora de controlo estão milhares de erupções cutâneas, sarna, piolhos e varicela.
O jornal israelita Haaretz relatou que um “embaixador ocidental” em Israel, não nomeado, advertiu que Gaza está a enfrentar uma “catástrofe médica”.
Falando ao canal Al Jazeera, um palestino num refúgio da ONU em Gaza apontou para a dimensão genocida desta situação: “Se os nossos filhos não morrerem da guerra, morrerão do frio do inverno e da fome.”