Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 30 de Agosto de 2004, aworldtowinns.co.uk

Cerco a Najaf termina com mais um revés para os EUA no Iraque

Depois de um impasse de três semanas perante o Exército do Mahdi, dirigido pelo clérigo muçulmano Moqtada al-Sadr, pela segunda vez os EUA e Sadr chegaram a um frágil compromisso. Desta vez, os norte-americanos saíram ainda pior que antes. O facto de terem de aceitar este acordo e mesmo de o saudar em comparação com outros cenários possíveis é uma prova cabal de quão limitadas são as opções dos EUA no Iraque.

Durante o cerco, tanques, artilharia, aviões e sobretudo franco-atiradores norte-americanos mataram quase mil pessoas e deixaram a maior parte da Cidade Velha de Najaf em ruínas, com as suas ruas cheias de cadáveres em putrefacção. Estes foram os combates mais graves desde que os EUA se instalaram no Iraque e os mais intensos combates urbanos em que estiveram envolvidos desde a guerra do Vietname. Os números de vítimas são particularmente enviesados, já que as protecções corporais e os milagres médicos salvaram a maior parte dos soldados dos EUA atingidos, enquanto os milicianos iraquianos feridos morreram em grande número. (O exército norte-americano diz que matou quase mil milicianos, com 11 mortos e mais de 100 feridos norte-americanos.) Contudo, embora os EUA tenham ficado em vantagem na batalha de três semanas, o resultado global desses acontecimentos só pode ser considerado um revés em termos da capacidade de Washington de manter os seus planos para o Iraque.

Isto é algo muito positivo para todos os que, no Iraque e em todo o mundo, se têm oposto à ocupação pelos EUA. Mas algumas questões básicas continuam longe de resolvidas.

Segundo os termos do acordo que acabou com o cerco dos EUA à mesquita de Ali que os homens de Sadr tinham ocupado, o clérigo participará nas eleições de Janeiro de 2005 e no processo político através do qual os EUA esperam formar um governo estável para administrarem indirectamente o Iraque. Sadr é, agora, incontestavelmente mais popular que qualquer membro do governo interino e mesmo que todos eles juntos. Sadr pode pensar que isso significa poder utilizar o processo eleitoral em proveito próprio. A estação de televisão Al-Jazeera disse: “O acordo parece abrir caminho para que o movimento de al-Sadr se junte ao sistema político estabelecido pelos EUA em Bagdad – uma reviravolta extraordinária para o líder xiita que tem lutado contra as forças lideradas pelos EUA e exigido a demissão do governo e a retirada das forças de ocupação.”

Os EUA ainda podem ter a esperança de utilizar Sadr para legitimar a sua ocupação. Ou podem tentar matá-lo ou neutralizá-lo de alguma maneira. Como, ainda não é claro. Provavelmente os próprios acontecimentos ajudarão os EUA a decidir.

O que é claro é que o maior perdedor desse acordo foi o debilitado e humilhado governo interino iraquiano. Foi emitindo diariamente ultimatos “finais” que ambos os lados ignoraram. Quase 80 por cento dos seus soldados desertaram, de acordo com o canal de televisão norte-americano CBS. De qualquer modo, os seus homens nunca se envolveram nos combates. Claro que o principal fantoche dos EUA, Iyad Allawi, escolhido pelas suas ligações aos generais do partido Baath e encarregue de reconstruir o exército iraquiano, não pode deixar de ter pesadelos por causa do destino do seu antecessor, Ahmed Chalabi, o anterior favorito dos EUA que acabou por ter de fugir do país por não ter conseguido o que os seus amos queriam dele.

Alguns jornalistas concluíram que o grande vencedor fora o Aiatola Ali Sistani. Pode ser que o prestígio pessoal dele tenha aumentado em resultado das suas inigualáveis capacidades de mediador. Conseguiu uma solução para o impasse sem um banho de sangue, algo de que, no final, ambos os lados precisavam. Mas também é verdade que o resultado da batalha de Najaf, e sobretudo o facto de os EUA não terem conseguido esmagar definitivamente as forças de Sadr e derrotá-lo politicamente, debilita os compromissos políticos em que os ocupantes viam Sistani como elemento-chave.

Antes de invadirem o Iraque no ano passado, os EUA pensavam que o clero xiita perseguido por Saddam Hussein daria as boas-vindas à ocupação. Centraram as suas esperanças especialmente em Sistani, o principal clérigo xiita da cidade santa de Najaf e a máxima autoridade religiosa xiita do país. Sistani não se opunha ao regime de Saddam, com o pretexto altamente político de que a religião deve ficar fora da política. Usando o mesmo argumento, Sistani disse aos xiitas para não hostilizarem as tropas dos EUA quando elas entraram em Najaf durante a invasão de Abril de 2003. O Secretário Adjunto da Defesa dos EUA, Paul Wolfowitz, entusiasticamente elogiou isso como sendo “a primeira fátua pró-americana” – um ligeiro exagero, já que Sistani não deu à sua declaração o carácter de um decreto religioso.

Parte dos planos dos EUA – ou dos seus planos mais recentes, depois do fracasso dos anteriores – tem sido usar a bênção implícita de Sistani para dar algum do seu prestígio ao bando de fantoches pró-EUA que farão o trabalho abertamente político de gerir o governo. Este arranjo tem sido posto em causa pelo jovem clérigo Sadr.

Sistani conseguiu a sua actual posição quando o pai de Sadr, um importante clérigo de grande renome que se opunha a Saddam, foi assassinado em 1999 por agentes que muita gente acredita serem homens de Saddam. Enquanto quase todos os políticos pró-EUA da oposição (e os principais membros do governo interino) viviam muito bem a soldo dos EUA no estrangeiro, o jovem Sadr permaneceu no país onde, de acordo com o professor Juan Cole da Universidade de Michigan, construiu uma organização entre os xiitas pobres de Najaf, da vizinha Kufa onde agora tem a sua base e, sobretudo, da enorme cintura xiita de miséria de Bagdad conhecida agora como Cidade de Sadr, em homenagem a seu pai.

Apesar de se apresentarem como libertadoras, as tropas norte-americanas irromperam violentamente pelos bairros pobres da capital e montaram mortíferos bloqueios de ruas, com a mesma brutalidade que os polícias norte-americanos exibem nos guetos dos EUA, mas a uma escala muito maior. Marchas e manifestações contra os ocupantes foram recebidas com tiros de artilharia e cobardes ataques aéreos. Os seguidores de Sadr, que patrulham as ruas de Bagdad para afirmarem a sua autoridade através do restabelecimento da segurança pública, colidem frequentemente com as tropas norte-americanas. Contudo, a ambiguidade da relação de Sadr com os ocupantes durante esse período pode ser ilustrada pelo facto de que, embora se diga que Sadr organizou o assassinato do pró-EUA Aiatola Khoei em Abril de 2003, imediatamente após a chegada dos EUA, as autoridades norte-americanas esperaram quase um ano para emitir o seu mandato de captura. Isso aconteceu imediatamente após o administrador dos EUA no Iraque, Paul Bremmer, ter mandado encerrar o semanário publicado por Sadr. Em resposta, o Exército do Mahdi de Sadr (na realidade uma milícia precariamente armada e treinada) organizou uma sublevação contra os norte-americanos. O jovem clérigo acabou por parar a insurreição imediatamente antes do que Bush chamou de transferência de poder para o governo interino iraquiano, em Junho. Em troca do fim da rebelião armada, de expressar apoio ao “novo” governo e de anunciar que em vez de combater os norte-americanos iria concorrer às eleições de 2005, tal como eles queriam, os EUA disseram que abandonariam as suas proclamadas intenções de o “matar ou capturar”.

Contudo, ao contrário do que os ocupantes esperavam, Sadr não dissolveu o seu Exército do Mahdi. Também recusou um convite para participar na conferência nacional que supostamente escolheria a assembleia do Conselho Nacional, o qual funcionará como um pseudo-parlamento para embelezar o governo formado pelo ditador nomeado pelos EUA, Allawi, um homem habitualmente descrito como um “rufião violento”, mesmo pela imprensa ocidental. É suposto que o Conselho controle o orçamento e as nomeações para o governo interino, mas não tem poderes legislativos – as leis impostas pelos EUA antes da “transferência de poderes” não podem ser tocadas. Não é difícil imaginar por que Sadr achou que não podia ficar associado a essa reunião.

Os combates começaram a 4 de Agosto quando os fuzileiros navais dos EUA violaram o acordo com Sadr e entraram na “zona de exclusão” que tinham concordado respeitar em Najaf, onde os homens de Sadr, maioritariamente de Bagdad, tinham permanecido desde o cessar-fogo de Junho. O governo iraquiano “soberano” nem sequer foi informado e muito menos consultado. Isto parece ter sido uma provocação deliberada, uma maneira de os EUA dizerem a Sadr: deponham as vossas armas ou terão de as usar. No dia seguinte, as forças dos EUA tentaram tomar a casa de Sadr em Najaf, supostamente após os seus milicianos terem atacado uma esquadra da polícia local. Combates generalizados entre a milícia e os ocupantes tiveram lugar em Najaf, Baçorá e outras cidades da zona britânica do sul do país.

Aos apelos de Sadr para que fosse restabelecida a trégua que durava há dois meses, o governo de Allawi deu uma resposta belicosa: “Não vamos negociar. Vamos combater essas milícias. Somos suficientemente fortes para as neutralizar.” Apelidando os homens de Sadr de “combatentes estrangeiros”, o ministro do interior disse que iria “expulsá-los do país”.

A 6 de Agosto, Sistani viajou repentinamente de avião para Londres para o que os seus assistentes disseram ser um tratamento cardíaco. De qualquer forma, o momento da sua viagem foi ditado por razões políticas e não médicas.

Apesar de toda a pose do governo de Allawi, foram só forças dos EUA que actuaram contra o Exército do Mahdi. Durante a semana seguinte, os fuzileiros navais descobriram que o que pensavam ser uma acção rápida e decisiva, se atolava num beco-sem-saída. Um oficial disse ao jornal New York Times que não se tinham preparado suficientemente para estes combates e precisavam de um novo plano. Grandes manifestações em defesa de Sadr começaram em Baçorá e noutras cidades, incluindo em Bagdad e nas zonas sunitas do norte do país.

A anunciada recusa de Sadr em participar na conferência nacional pode ter sido o motivo imediato da decisão dos EUA de o atacar. A convenção acabou por se transformar num embaraço para os ocupantes e os seus lacaios. Nesse muito publicitado “exercício de democracia”, os 1200 delegados descobriram que não tinham nenhum poder, apesar de terem sido escolhidos a dedo pelo governo iraquiano nomeado pelos EUA. Os cem membros do novo Conselho foram escolhidos nos bastidores, sem votação, nem mesmo simulada. As urnas eleitorais cerimoniosamente colocadas à frente da sala, para a esperada cobertura das televisões internacionais, não tiveram qualquer uso.

Quando a conferência se iniciou a 16 de Agosto, a incapacidade dos EUA de esmagarem Sadr tinha feito virar todas as atenções para Najaf. Milhares de pessoas de outras cidades responderam ao seu apelo para virem ajudar a proteger a mesquita de Ali dos invasores, como combatentes ou como testemunhas desarmadas. Mais do que um delegado comentou que seria um suicídio político serem vistos como tendo alinhado submissamente no ataque norte-americano à cidade santa e à mesquita ocupada pelos homens de Sadr. “Enquanto houver bombardeamentos aéreos, não podemos realizar a conferência”, gritou furiosamente um delegado, sob aplausos. Alguns delegados concluíram que, se a reunião não conseguisse fazer nada em relação a Najaf, ninguém a iria considerar relevante. “A conferência oscilou perigosamente perto do colapso”, informava o New York Times. Num dos seus primeiros actos, a assembleia enviou uma delegação para implorar a Sadr que se lhes juntasse na conferência. Ele recusou-se sequer a recebê-los. Nessa altura, os EUA parecem ter acordado para o facto de que esmagar Sadr poderia ser contraproducente. Durante as semanas seguintes, decorreram negociações ao mesmo tempo que continuavam os combates.

Os jornalistas ficaram surpreendidos ao verem os homens de Sadr lutar de uma forma mais eficiente e disciplinada do que em Abril. O avanço inicial da infantaria da Marinha dos EUA sob cobertura da artilharia e da aviação fracassou porque os milicianos iraquianos adoptaram a táctica de se esconderem nos escombros durante os ataques e esperar até poderem sair e disparar a curta distância sobre os soldados dos EUA. Além disso, os EUA optaram por não usar as suas bombas mais potentes porque poderiam danificar a mesquita.

Quando os fuzileiros navais, habituados a usar o poder aéreo integrado com a infantaria ligeira, fracassaram, foram substituídos por reforços do Exército, com dezenas de tanques e carros de combate Bradley. Essa concentração de veículos blindados, de tropas e de recursos foi suficientemente poderosa para permitir aos EUA renovarem a sua ofensiva.

Allawi tinha ordenado aos jornalistas independentes que deixassem Najaf, um mau indício das intenções dos EUA, embora essas ordens pareçam ter acabado por ser ignoradas. Houve pelo menos um oficial que não hesitou em explicar aos jornalistas que ficaram – ou seja os “embutidos” nas unidades militares dos EUA e portanto dependentes das informações oficiais – o papel central dos franco-atiradores. A sua missão era “eliminar o Exército do Mahdi um homem de cada vez”, matando não apenas os milicianos mas também qualquer outra pessoa que avistassem nas ruas da Cidade Velha, e mesmo burros, para impedir a entrega de alimentos e outras provisões às milícias e também eliminar potenciais milicianos e outros apoiantes, armados ou não. Embora não o tivesse mencionado, um outro objectivo era isolar a milícia das massas que levavam informações sobre as movimentações dos EUA.

No final, Sistani voltou ao Iraque tão repentina e inesperadamente como tinha partido. Um oficial militar norte-americano disse ao New York Times: “Muita gente pensou que Sistani deixara inicialmente o país para nos dar uma oportunidade de controlar a situação. Agora está de volta para nos ajudar a encontrar uma solução, possivelmente uma solução pacífica. Mas, no fundo, ele quer que o ajudemos a dissolver o Exército do Mahdi.”

O acordo depressa alcançado estipulava que as forças de Sadr retiravam da mesquita e a entregavam aos homens de Sistani, entregando as suas armas, e que os norte-americanos também retiravam de Najaf e de Kufa. Sadr e os seus homens obtiveram uma amnistia. Isso era exactamente o que Sadr tinha tentado desde o início – o único objectivo da ocupação da mesquita tinha sido salvar-se, a ele e ao seu exército, da ofensiva traiçoeira dos ocupantes e provar que tinha uma força política que não podia ser ignorada. Nestas condições, por que foi necessária a chegada de Sistani para chegarem a um acordo? Uma das razões foi que era muito conveniente para Sadr parecer estar a ceder ao seu superior na hierarquia religiosa e não aos EUA ou aos seus desacreditados fantoches. Outra das razões – e uma muito importante – foi que Sistani apelou aos peregrinos de todo o Iraque para que marchassem sobre Najaf e entrassem na mesquita (um apelo repetido por Sadr) e para que a milícia saísse com eles. Isso fez com que os homens de Sadr tivessem uma maior probabilidade de saírem vivos e não serem presos. Mais do que um jornalista no local comentou que não seria impossível que os EUA quisessem deter, humilhar, disseminar, prender ou pura e simplesmente disparar sobre os homens de Sadr a sangue frio, quando eles abandonassem a mesquita.

Por que é que os EUA aceitaram o acordo? O facto é que se, mais cedo ou mais tarde, os EUA não conseguirem formar um governo estável, a ocupação pode acabar por fracassar. Os EUA podem não gostar de Sadr, e certamente que não confiam nele, mas tudo isto tem de ser visto tendo em conta as suas outras opções – e essas não são boas. Eles não conseguiriam esmagar Sadr sem destruir a mesquita, o lugar mais sagrado para os xiitas e um símbolo muito poderoso para todos os muçulmanos. O próprio Sistani poderia ter ficado desacreditado por não o conseguir impedir. Isso poderia ser um golpe fatal para os esforços dos EUA para estabilizarem o seu domínio e sobretudo para usarem a influência dos clérigos e dos sentimentos religiosos das massas como um factor a seu favor.

O cerco pôs a nu as graves fraquezas estratégicas dos EUA.

Um jornalista do New York Times comentou que essa batalha significou uma derrota para a doutrina Rumsfeld de usar uma combinação de poder aéreo e um pequeno número de soldados, em vez de forças terrestres convencionais – infantaria em massa e artilharia pesada. (Um oficial descreveu esta última abordagem: “No combate com uma mosca, usar um taco de beisebol”). Mas, embora o comentário seja correcto, o jornalista não se questionou sobre o que está em jogo na tradicional rivalidade entre o Exército e a Marinha dos EUA e na competição entre as várias doutrinas militares. Actualmente, os EUA pura e simplesmente não têm recursos suficientes, sobretudo em soldados, para levar a cabo este tipo de campanhas em vários lugares ao mesmo tempo, nem sequer no Iraque, quanto mais em vários países em simultâneo.

A doutrina Rumsfeld propunha-se resolver um problema real: como pode um país dominar o mundo inteiro, de uma forma barata, ou seja, sem militarizar completamente a sua sociedade e a sua economia? Ainda é difícil perceber como poderão os EUA inverter o deteriorar da sua situação no Iraque sem grandes envios de novas tropas e de outros recursos que, pelo menos por enquanto, não estão disponíveis. Contudo, a sua necessidade é mais óbvia que nunca, já que parece estar a afundar-se o projecto dos EUA para constituírem uma nova coligação governamental neocolonial com generais do partido Baath, clérigos xiitas e líderes dos clãs curdos.

Ao mesmo tempo, os combates em Najaf também mostram claramente as potencialmente fatais fraquezas da linha militar de Sadr. Essas fraquezas advêm do objectivo político dele de conquistar mais espaço político para si dentro do quadro político da ocupação.

O seu objectivo imediato parece ter sido forçar os ocupantes a renunciar aos seus esforços continuados para o matar ou capturar e destruir o seu exército. Ele ocupou a mesquita em vez de atacar directamente as forças de ocupação porque contava com a sua relutância em pagar o preço político da sua destruição. Ocupar e manter o controlo do edifício não é muito diferente, do ponto de vista militar, das suas anteriores manifestações armadas contra os EUA. Ao deixar os seus homens numa posição essencialmente estática, logo passiva, tirou-lhes a capacidade de levar a cabo um tipo de guerra de guerrilha de constante movimento que evitaria fornecer aos EUA alvos fáceis para a sua superior capacidade de fogo. Durante toda a batalha, nos ferozes combates iniciados entre as lápides do enorme cemitério a norte da Cidade Velha, continuados nas tortuosas ruas da zona sul da Cidade Velha e finalmente nos portões da própria mesquita, a milícia de Sadr combateu quase sempre em batalhas defensivas em posições fixas.

Combateram corajosamente e por vezes mesmo corpo a corpo. Um miliciano lutou contra um soldado de ocupação com o dobro do seu tamanho que o tinha encurralado na cave de um edifício até que uma granada explodiu e matou o iraquiano, tendo o norte-americano sido salvo pela sua blindagem corporal. Um outro miliciano saltou sobre um tanque dos EUA no cemitério, matou dois soldados e fugiu. Mas, em geral, os norte-americanos conseguiram evitar os combates casa-a-casa que tanto temiam, mesmo na Cidade Velha onde as ruas estreitas e facilmente mináveis e os milicianos que disparavam sobre eles a partir do topo dos edifícios mais elevados parecem ter-lhes causado as maiores dificuldades.

Por causa de tácticas militares subordinadas ao objectivo do controlo da mesquita, os milicianos de Sadr abandonaram a vantagem mais preciosa que os guerrilheiros e, de facto, qualquer exército pode ter numa batalha: a iniciativa. Em vez de tentar dividir o inimigo, concentrar temporariamente uma grande força de guerrilha contra unidades inimigas isoladas, evitar batalhas onde o inimigo possa concentrar forças e pelo contrário tentar usar o elemento da surpresa que é essencial quando um exército mais fraco quer manter um exército mais forte na incerteza, os milicianos de Sadr levaram a cabo exactamente o tipo de batalha que os EUA queriam. A sua maneira de combater tornou possível aos EUA fazer grande uso dos seus tanques e blindados e, em geral, usar os seus maiores recursos.

A posição maoista é a de apoiar de todo o coração a resistência iraquiana e, ao mesmo tempo, não deixar de reconhecer que todas as principais forças políticas organizadas no Iraque (ou pelo menos as de que se tem conhecimento no estrangeiro), em Najaf, em Falluja e noutros lugares, têm graves deficiências. Ideologicamente, Sadr não é de modo nenhum melhor nem pior que muitas outras forças activas na resistência, mas ele tem mostrado uma singular obsessão com a tomada e o controlo de lugares simbólicos que os seus milicianos não têm nem a força nem os conhecimentos para os defender militarmente. A experiência maoista da guerra popular prolongada mostrou o poder potencial do combate concentrado baseado em objectivos ousados mas realistas, com vista a construir gradualmente o poder popular e chegar a derrotar completamente um inimigo muito poderoso numa guerra tão prolongada quão necessária. Sem esta perspectiva, quaisquer que sejam as intenções de Sadr, só pode esperar conseguir cessar-fogos e compromissos políticos temporários com os ocupantes e nunca levar as massas a libertar-se do jugo do invasor, mesmo que quisesse.

Um admirador disse que Sadr “jogou com uma superpotência um jogo em que os dois jogadores concordam previamente num acto potencialmente suicida e cuja ideia é ver quem primeiro perde a calma” e venceu. É de certo modo verdade que os EUA “se acobardaram”, no sentido que interesses superiores os impediram de aplicar nesta situação todo o seu poder militar. Mas, nas actuais circunstâncias mundiais, por causa do que uma rendição no Iraque significaria para a sua capacidade de controlar o seu actual império mundial e, além disso, porque a ocupação do Iraque era suposto ser uma pedra chave de um domínio global sem precedentes, a não ser que os EUA tenham uma estrondosa derrota militar, não é provável que “se acobardem” num sentido mais lato e deixem o Iraque para os iraquianos. Sadr pode ter ganho esta batalha, mas o seu futuro é incerto, tanto no que diz respeito ao que vai acontecer a ele e à sua milícia, como quanto a quem eles acabarão por servir – se sobreviverem.

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