Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 27 de Abril de 2015, aworldtowinns.co.uk

A guerra contra os refugiados no Mediterrâneo

Migrantes do Norte de África recolhidos de um barco virado no Mediterrâneo chegam a Itália a 13 de April de 2015
Migrantes do Norte de África recolhidos de um barco virado no Mediterrâneo chegam a Itália a 13 de April de 2015. (Foto: AP)

Num período de menos de uma semana em Abril, dois barcos cheio de migrantes provenientes do Médio Oriente e de África foram deixados afundar no Mar Mediterrâneo, resultando na morte de pelo menos 1300 pessoas. Isto indignou as pessoas em todo o mundo e gerou manifestações em vários países.

Quando, em Outubro de 2013, um barco que transportava refugiados se afundou a pouca distância da ilha italiana de Lampedusa e quase 500 pessoas se afogaram, o mundo não queria acreditar. Essa tragédia apanhou os líderes dos governos da Europa Ocidental com sangue nas mãos. Mas em vez de mostrarem remorso ou vergonha por esse crime, eles tomaram medidas para “dissuadir” os refugiados, as quais causaram agora a perda de ainda mais vidas. Embora chocantes, estas mortes mais recentes não eram inesperadas. E mais do mesmo ou ainda pior poderá vir a acontecer se se deixar continuar a desumana hostilidade contra os migrantes.

O número de refugiados afogados no Mar Mediterrâneo este ano é, até agora, calculado ser entre 1500 e 1750. (BBC, 23 de Abril de 2015) Isso é mais de 50 vezes o número de pessoas que morreram durante os primeiros meses de 2014. O número de mortes tem vindo a aumentar continuamente há vários anos. O número total foi de quase 3500 em 2014, 600 em 2013 e 500 em 2012.

Depois da tragédia de Lampedusa em 2013, a falta de interesse e mesmo a indiferença deliberada dos líderes europeus tornaram-se ainda mais aparentes. Em muitos casos, incluindo este, foram os pescadores locais e não as autoridades que salvaram os refugiados. Depois disso, muitas pessoas e organizações humanitárias exigiram aos líderes europeus mais acção e recursos para ajudar aqueles que arriscam as suas vidas para escaparem a zonas de guerra e de miséria. Mas, em vez disso, os líderes europeus aumentaram as hipóteses de afogamento ao cortarem o financiamento das já insuficientes operações de busca.

Especificamente, em Outubro de 2014 decidiram cancelar a operação Mare Nostrum da Marinha italiana. Diz-se que este programa terá salvado a vida de cerca de 170 mil refugiados em 2014. A Itália anunciou que iria terminar o programa se os outros países europeus não partilhassem os custos, quinhentos milhões de euros por ano. Mas a decisão da UE de substituir as operações de salvamento por uma missão policial foi tomada por razões políticas e não financeiras.

A nova Operação Triton é gerida pela agência europeia de fronteiras Frontex. Segundo o seu director Klaus Rosler, o seu objectivo é “assegurar um controlo efectivo das fronteiras” e “monitorizar as redes criminosas” no Norte de África e não salvar vidas. Com a Operação Triton, a Europa iria fornecer apenas sete navios e três aeronaves para cobrir um milhão de milhas quadradas de mar. Isto foi um acto deliberado para dissuadir os refugiados de tomarem esta rota para a Europa. Os barcos patrulha que estão a ser mobilizados em vez dos navios são demasiado pequenos e não têm equipamento para salvar pessoas. De facto, quando um destes barcos recolheu refugiados encontrados a flutuar na água, a maioria deles morreu por exposição durante a viagem para Itália porque eles foram mantidos num convés aberto e não havia a bordo nenhum pessoal com treino de salvamento.

O governo da Grã-Bretanha tomou a posição mais agressiva contra os refugiados e deixou claro que “não apoiaria nenhuma futura operação de busca e salvamento, incluindo a Triton, alegando que a ajuda iria simplesmente encorajar que mais pessoas arrisquem a travessia”. (The Guardian, 27 de Outubro de 2014) O primeiro-ministro britânico David Cameron declarou quase explicitamente que a UE deveria deixar que os migrantes se afogassem para desencorajar outros de tomarem a rota marítima. Mas todos os governos europeus concordaram com este plano que toda a gente sabia que iria condenar milhares de refugiados à morte. Agora há evidências irrefutáveis de que “cortar os incentivos” através do fim das operações de salvamento não reduziu o número de migrantes que arriscam as suas vidas para atravessar o mar.

Depois das duas tragédias de Abril, os líderes da UE verteram lágrimas de crocodilo, fingindo que as mortes de 1300 homens, mulheres e crianças não eram consequências directas e previsíveis das suas políticas. Culparam os traficantes e contrabandistas pelos resultados dos seus próprios crimes. O Ministro do Interior da Alemanha, Thomas de Maizière, disse: “Nós não podemos e não toleraremos que estes criminosos sacrifiquem vidas humanas em grande escala por pura cobiça”. (The Guardian, 20 de Abril de 2015) Claro que com “pura cobiça” ele não queria dizer o sistema de lucro motivado pela concorrência que conduz a guerras e massacres, à destruição de regiões inteiras e à pilhagem de continentes inteiros.

Philip Hammond, o Secretário britânico dos Negócios Estrangeiros, falou como se fossem os traficantes que forçam as pessoas a abandonar as suas terras. Ele salientou: “Nós temos de visar os traficantes que são responsáveis por tantas pessoas a morrer no mar e impedir que as suas vítimas inocentes sejam enganadas ou forçadas a fazer estas jornadas perigosas.” (The Independent, 20 de Abril de 2015) O presidente francês François Hollande reiterou que “a ênfase deveria ser em desarticular os traficantes de pessoas”. (BBC, 23 de Abril)

Portanto, o coro dos imperialistas europeus e da sua comunicação social está uma vez mais sincronizado para culpar os traficantes pelas consequências das guerras alimentadas pelos imperialistas e pelo funcionamento do sistema capitalista mundial. Os refugiados não estão a tomar esta rota perigosa por causa dos traficantes e dos barcos deles. Se eles acreditam que arriscar a morte por afogamento é a melhor alternativa que têm, isto deve ser entendido como uma acusação ao que o sistema imperialista lhes fez.

A verdade é que o fluxo de refugiados não irá parar enquanto não se puser fim aos factores que levam as pessoas a arriscar a morte. Um crescente número de pessoas têm de abandonar as suas terras ou trabalhos, a sua comunidade e país e a sua família, e de tomar este caminho perigoso, quer os imperialistas permitam ou não o “incentivo” de que eles simplesmente se possam não afogar. O sofrimento económico nos países do terceiro mundo é causado pelo funcionamento do sistema imperialista, e para muitas pessoas a globalização das duas últimas décadas tornou a situação delas ainda mais desesperada. As guerras que massacram pessoas e tornam a vida num inferno para aqueles que sobrevivem também são em grande parte causadas pelo envolvimento imperialista directo ou indirecto. Parece não haver nenhum fim à vista para essas guerras, sobretudo no Médio Oriente e em África. Agora, está-se à espera que pessoas vindas do Iémen – vítimas da intervenção militar liderada pelos sauditas e apoiada por um grupo de porta-aviões dos EUA e pelos principais países ocidentais – se venham a juntar aos refugiados da Síria, Líbia, Iraque, Afeganistão, Sudão, Somália e outros países. Será que são os traficantes que os estão a forçar a juntar a estas vagas de seres humanos?

O direito a procurar asilo está incluído nos acordos internacionais que quase todos os governos supostamente assinaram. Foi declarado um direito humano. Mas os governos europeus estão a fazer com ele que seja extremamente difícil para pessoas que já passaram por tanto sofrimento devido às guerras e à miséria nos seus próprios países. Por exemplo, a guerra na Síria deslocou cerca de quatro milhões de refugiados, que agora vivem sobretudo em acampamentos temporários nos países vizinhos. Mas os imperialistas, cuja ingerência na Síria em defesa dos seus interesses regionais e globais alimentou a guerra e a ascensão das forças islamitas, estão a recusar-se a conceder asilo aos sírios. Além da Alemanha que devido à sua necessidade de imigrantes e por razões políticas se comprometeu a acolher 30 mil refugiados, os outros 27 países europeus, entre os quais a França e a Grã-Bretanha, só irão aceitar cerca de 10 mil no total – e a Grã-Bretanha apenas 143.

Os estados europeus têm gastado milhares de milhões no controlo de fronteiras e instalaram todo o tipo de barreiras terrestres, como a cerca na fronteira grega com a Turquia. Têm introduzido obstáculos draconianos à entrada legal de pessoas vindas de países pobres. Mesmo quando os refugiados conseguem chegar a um país de destino, são criminalizados e tratados como “seres humanos ilegais”. Como as outras rotas lhes são fechadas, os refugiados são forçados a recorrer às únicas alternativas. De facto, são os imperialistas que estão a criar “oportunidades empresariais” aos traficantes.

Face à indignação pública em Abril, os líderes europeus reuniram-se para lidarem com a situação (a indignação pública, não as mortes). Concordaram em restabelecer o financiamento das operações navais de busca no Mediterrâneo ao nível do último ano. Os detalhes de como isto irá ser implementado não são ainda claros. Mas eles concordaram claramente em “levar a cabo esforços sistemáticos para identificar, capturar e destruir os barcos antes de eles serem usados pelos traficantes”. Isto é mais um pretexto para levar a cabo mais ataques e invasões no Norte de África, mais acções militares e guerras do tipo das que tanto fizeram para criar os refugiados em primeiro lugar – agora disfarçadas de “acções humanitárias”. Como sempre, quando as acções deles e o sistema deles causam situações horríveis, a única resposta deles é usar a máquina mortal deles para lidar com os sintomas. Além disso, eles estão a tentar desviar a atenção das pessoas daqueles que são realmente responsáveis. Isto é vergonhoso. Não os podemos deixar criar mais tragédias.

O sistema capitalista-imperialista é a fonte da miséria das pessoas. As pessoas que não podem aceitar a brutalização e o assassinato de seres humanos seus semelhantes devem visar este sistema, e especialmente revelar o facto de que a “questão” da imigração faz parte do seu funcionamento.

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