Este artigo faz parte de uma série de 4 artigos publicada no jornal Revolution/Revolución, voz do Partido Comunista Revolucionário, EUA. Esta 3ª parte foi publicada no n.º 138, datado de 3 de Agosto de 2008 (revcom.us/a/138/lotta_faultlines_pt3-en.html em inglês ou revcom.us/a/138/lotta_faultlines_pt3-es.html em castelhano). As restantes partes estão disponíveis aqui: 1ª Parte, 2ª Parte e 4ª Parte.

Alterações e fissuras na economia mundial e rivalidade entre as grandes potências

O que está a acontecer e o que pode significar

3ª Parte – A União Europeia como potencial rival da dominação dos EUA

Por Raymond Lotta

Estão a ocorrer grandes alterações no equilíbrio entre a força económica das principais potências. Consegue-se discernir novas fissuras na economia mundial. O imperialismo norte-americano continua a ser a principal potência económica e militar do sistema imperialista mundial. Mas a sua posição está a deteriorar-se. E estão a emergir potenciais rivais.

O alargamento e consolidação da União Europeia é uma característica definidora desta paisagem económica – sendo talvez a ascensão da China a mais dinâmica das grandes alterações tectónicas que estão a ocorrer na economia mundial (ver a 2ª Parte desta série).

A União Europeia (UE) é um bloco económico muito desenvolvido de países imperialistas e capitalistas do continente europeu. Nos últimos 15 anos, a UE atingiu níveis mais elevados de integração económica e financeira e fortaleceu a sua posição internacional. O euro, a moeda usada por 15 membros da UE, tem vindo a representar um papel cada vez mais importante no comércio e nas finanças mundiais. A UE tem-se afirmado mais vigorosamente a nível internacional e aumentado a sua capacidade militar.

A natureza e as possíveis implicações da expansão e fortalecimento da União Europeia, no que diz respeito à rivalidade entre as grandes potências, são o tópico da 3ª Parte desta série.

I. O fim da Guerra Fria e o alargamento da UE

A UE tem actuado em parceria e aliança com o imperialismo norte-americano em questões militares e em fóruns internacionais como a Organização Mundial do Comércio. Há enormes fluxos de capital dos EUA para a Europa Ocidental e enormes fluxos de capital da Europa Ocidental para os EUA. Ao mesmo tempo, a UE representa um grande, e cada vez maior, desafio concorrencial ao imperialismo norte-americano integrado num quadro internacional dominado pelos Estados Unidos.

A forma como se irá desenvolver ainda mais o desafio da UE será influenciada pela inter-relação entre factores económicos e não-económicos:

  • Há a questão da evolução da NATO, a aliança militar liderada pelos EUA em que participam os principais países da UE.
  • Há um elemento dinâmico nas relações da UE com a Rússia e a China, sendo ambas potências em ascensão na economia mundial e estando ambas a tornar-se parceiros comerciais da UE cada vez mais importantes.
  • Há as guerras pelo império no Médio Oriente e no Afeganistão – onde o imperialismo europeu ocidental está fortemente envolvido com os EUA – e cujos resultados estão longe de estar decididos.
  • Há um choque global entre um obsoleto imperialismo dominador e explorador do mundo e um obsoleto fundamentalismo islâmico – que tem florescido em resposta às investidas do imperialismo mas que não oferece nenhuma solução real e libertadora face ao imperialismo. E, dentro da Europa, o fundamentalismo islâmico reaccionário está a ganhar terreno e influência entre alguns sectores de imigrantes.1
  • Há os efeitos das actuais lutas sociais na Europa e em todo o mundo e o potencial para que a luta revolucionária emerja e tenha impacto na situação global dos países da UE e do mundo.
Enquadramento: A União Europeia

A União Europeia não é um estado único... mas também não é uma coligação livre ou informal de potências. É uma união sem paralelo de estados imperialistas da Europa Ocidental que forjou uma estrutura política, administrativa e legislativa para regular o seu funcionamento enquanto bloco. O seu núcleo dirigente é composto pelas principais potências imperialistas da Europa Ocidental: Alemanha, França e Grã-Bretanha. A Alemanha e a França são as principais forças político-económicas a liderar esse bloco.

Em 1991, a UE tinha doze estados-membros. Mas o colapso da União Soviética imperialista e do seu bloco em 1989-91 abriu novas oportunidades ao imperialismo europeu ocidental. A Alemanha Ocidental, que já era a principal potência económica do continente europeu, absorveu a Alemanha de Leste. A UE virou-se para leste e incorporou países como a Polónia e a Hungria, bem como países da região do Báltico.

Era esta a dialéctica nos anos 90: o imperialismo norte-americano atraiu a maioria dos países da Europa de Leste do antigo bloco soviético para a sua aliança de orientação militar, a NATO; e os imperialistas da Europa Ocidental atraíram a maioria desses países para a órbita económica da UE.

A UE ainda consiste em distintas economias com distintas estruturas de classe e distintas classes dominantes imperialistas ou capitalistas. Mas a UE tornou-se um bloco mais coeso e poderoso. Criou diversas instituições para coordenar as políticas e exercer o seu poder em todos os países que constituem esse bloco. Desde 1995, cresceu de 15 para 27 países; emergiu como mercado que rivaliza em dimensão com o mercado norte-americano e desenvolveu uma moeda que tem a capacidade de desafiar a nível internacional o dólar norte-americano.

Tomados individualmente, os estados da Europa Ocidental não podem competir economicamente com o imperialismo norte-americano em termos de dimensão. Mas enquanto entidade única e altamente integrada, a União Europeia pode competir à escala global. Em suma, com a expansão e consolidação da UE, os EUA enfrentam agora um grande e formidável centro político, financeiro e industrial.2

Culturalmente, a UE projecta-se como um capitalismo iluminado, civilizado e cosmopolita. E isso faz parte do arsenal ideológico da UE, que procura fortalecer internacionalmente a sua posição político-económica.

Em simultâneo, a UE aperta o controlo sobre os imigrantes, evita o imperialismo norte-americano na América Latina de forma a obter vantagens económicas, utiliza os seus laços coloniais históricos e forja novas relações neocoloniais de dependência, ao serviço das suas necessidades internacionais – por exemplo, faz investimentos e operações militares em África para garantir as fontes de energia e matérias-primas. E a UE também fez parte da subcontratação de tortura pelo imperialismo norte-americano e da sua “guerra ao terror”. Alguns países membros da UE albergaram prisões secretas da CIA.3

II. A UE reforça o seu lado competitivo

A UE tem actuado de forma a expandir e unificar ainda mais o seu mercado comum e, intimamente relacionado com isso, elevar a rentabilidade e aumentar a competitividade na economia imperialista mundial do capital baseado na UE.

A. O programa de competitividade e “trabalho flexível”

Isto tem envolvido uma vaga de “reformas” neoliberais. O neoliberalismo é o conjunto de políticas que abrem ainda mais as economias nacionais a um fluxo mais livre do capital, que privatizam as indústrias controladas pelo estado, que desregulam o mercado de trabalho e eliminam as restrições às condições de exploração e emprego do trabalho assalariado e que cortam os benefícios sociais, etc. Isto tem acontecido nos Estados Unidos desde os anos 80.

No Terceiro Mundo, as instituições financeiras internacionais dominadas pelos EUA, tais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, supervisionaram uma reestruturação neoliberal global e brutal das economias. Isso abriu caminho a uma mais profunda penetração do capital imperialista, incluindo o da Europa Ocidental. Também minou a agricultura local em grandes regiões do Terceiro Mundo e acelerou um processo sem precedentes de urbanização massiva e caótica.4

O capital da Europa Ocidental tem levado a cabo o seu próprio programa de reformas neoliberais desde os anos 90: visando uma maior flexibilidade na contratação e nos despedimentos, uma mais vasta utilização do trabalho temporário e a compressão dos salários.

Em França, têm-se vindo a desenvolver esforços para alargar a semana de trabalho legal para mais de 35 horas. Na Alemanha, várias formas de “co-participação” dos sindicatos nas fábricas – concebidas para servir o aumento da produtividade dos trabalhadores – têm sido reduzidas. A Alemanha é o principal país exportador do mundo. Tem mantido essa posição em parte através da redução dos custos unitários do trabalho e os salários reais têm vindo a diminuir há sete anos consecutivos (1998-2006)5. Em França, também foi reduzido o apoio governamental à educação e à procura de emprego e essas políticas têm sido uma importante fonte de protestos. Os benefícios da segurança social, incluindo as pensões dos reformados, têm sido reduzidos em grande parte da Europa.

O programa de competitividade da UE tem envolvido fusões de grandes empresas em empresas maiores, como no caso da indústria do aço. E tem envolvido o apoio a sectores industriais estratégicos e à promoção de grandes empresas. Por exemplo, a UE criou a EADS, a empresa aeroespacial europeia que fabrica o avião Airbus e é uma concorrente global da Boeing.

Esse programa de “competitividade” também implicou esforços para restringir a liberdade de movimentos do capital norte-americano no mercado da Europa, mais aberto e integrado. Por exemplo, a Microsoft tem sido acusada de práticas monopolistas. O capital europeu tem tentado competir internacionalmente com o capital norte-americano. Isso tem tomado formas complexas e muitas vezes dissimuladas, como por exemplo as batalhas entre os EUA e a UE sobre os padrões ambientais ou os controlos às importações de produtos agrícolas biomodificados.

B. O papel particular da Europa de Leste

A incorporação dos países da Europa de Leste na UE foi uma fonte de vantagem competitiva do capital europeu ocidental no mercado mundial. As economias da Europa de Leste são governadas por classes capitalistas inteiramente desenvolvidas – algumas dessas economias investem capital no Terceiro Mundo. Mas elas estão numa posição subordinada em relação às maiores e mais poderosas classes dominantes da UE. Sectores estratégicos dessas economias, como os transportes, o sector financeiro e as telecomunicações, são dominados por capitais estrangeiros, sobretudo capitais da Europa Ocidental. Os baixos custos laborais combinados com os elevados níveis de qualificações vindos do período soviético são um importante magneto para o investimento.

A UE reestruturou e integrou as economias da Europa de Leste em cadeias de produção alargadas a nível regional e global. Os trabalhadores da Europa de Leste enfrentam piores condições de trabalho e níveis salariais mais baixos, bem como programas sociais menos generosos, que os das populações de muita da Europa Ocidental. Na Eslováquia, os salários na indústria automóvel são um oitavo dos da Alemanha, ao mesmo tempo que se espera que a produtividade da indústria automóvel (liderada pela VW e pela Peugeot) seja em breve a mais elevada do mundo6. Desta forma, a absorção da Europa de Leste na UE aumentou a competitividade e a rentabilidade desse bloco.

A UE – e mais particularmente, o imperialismo alemão que tem um interesse especial na Europa de Leste e nos Balcãs – tem investido fortemente na reconstrução das infra-estruturas de transportes, energia e outras da Europa de Leste. Isto tem sido dispendioso e representou um papel significativo no declínio da taxa de crescimento da Alemanha. Mas este reaparelhar também é uma parte importante de um reforço de longo termo de um mercado continental mais integrado e competitivo em que a Alemanha é a âncora económica do cada vez mais coeso bloco europeu.

Estrategicamente, a Europa de Leste também é importante para as ambições geopolíticas da UE. Está geograficamente mais próxima da Rússia, a qual fornece muitas das necessidades energéticas da Europa Ocidental – e por isso a Europa de Leste também é uma espécie de zona tampão. Além disso, a penetração económica da Europa Ocidental fornece um certo contrapeso ao domínio militar dos EUA na Europa de Leste.7

C. O trabalho migrante na “Europa Fortaleza”

Com economias mais abertas que requerem qualificações tanto elevadas como reduzidas e trabalhadores cada vez mais “flexíveis” (entrando e saindo dos empregos e sectores da economia com uma menor segurança laboral), o trabalho imigrante desempenha um papel particular nos mercados laborais reestruturados.

Um número estimado entre 5 e 6,5 milhões de trabalhadores indocumentados vive e trabalha actualmente na Europa. Eles constituem uma “força laboral transnacional ilegalizada” – trabalhando em sectores como a agricultura, a construção civil, os serviços domésticos, etc. Alguns desses sectores, como observou um recente estudo feito por três académicos progressistas, poderiam “provavelmente colapsar sem o acesso ao trabalho migrante barato e desregulado”8. Esses trabalhadores indocumentados muitas vezes nem sequer conseguem ganhar o salário mínimo ou sequer trabalhar com um contrato de trabalho.

Os imigrantes estão agora a ser ameaçados com cartões de identificação especiais e com bancos de dados com informação biométrica. A França começará a fazer testes de ADN aos novos imigrantes que entrarem no país. A histeria chauvinista contra os imigrantes na atmosfera pós-11 de Setembro assume frequentemente formas anti-árabes e anti-islâmicas. E isso também faz parte do discurso oficial – Nicholas Sarkozy, presidente de França, foi eleito em parte com base num programa de “ser duro” com os imigrantes, após as revoltas dos jovens imigrantes contra a brutalidade policial e a discriminação social em 2005.9

Os responsáveis da UE exaltam de orgulho com as novas formas de fortalecimento das fronteiras contra os imigrantes “ilegais”. E com que resultados? Segundo apenas as autoridades espanholas, afogaram-se 6000 pessoas no Atlântico em 2006 ao tentarem chegar às ilhas Canárias (território espanhol) provenientes da África Ocidental – onde as frotas comerciais europeias esgotaram a pesca e destruíram o sustento dos pescadores locais. Em 2006, algumas centenas mais de imigrantes sufocaram em contentores, camiões e navios de transporte nos portos.

III. As ambições geopolíticas da UE

A UE tem-se expandido – e é impelida a alargar a sua influência e competitividade internacionais – se quiser prosperar como potência geoeconómica numa economia mundial ainda dominada pelo imperialismo norte-americano e com outros novos concorrentes e desafiadores a surgir no sistema mundial. Também é possível que este quadro económico internacional dominado pelos EUA possa sofrer importantes abalos. Esses abalos, conjugados com outros factores (como reveses militares), poderiam criar novas aberturas a que potências em ascensão como a China e a UE saltem para posições significativamente mais fortes.

Geopoliticamente, a UE está a desempenhar um papel mais afirmativo a nível internacional. Participou nas conversações do Médio Oriente. Supervisionou as eleições no Congo em 2006. Assumiu o mandato da ONU na ocupação dos Balcãs ocidentais.

O grosso da capacidade militar global e estratégica da UE está confinado dentro da NATO. Mas um dos desfechos inesperados do colapso da União Soviética foi que “o triunfo do Ocidente” resultou numa Europa Ocidental militarmente menos dependente do imperialismo norte-americano – dado que deixou de haver um bloco soviético poderoso e militarizado junto à Europa Ocidental no contexto de uma intensificação do conflito entre os blocos liderados pelos EUA e pela União Soviética. Como descreveu Dominique Moisi, um estudioso francês de geopolítica e conselheiro político: “a configuração da Guerra Fria com um Ocidente e duas Europas” está a ser substituída por “uma Europa mas dois Ocidentes”10.

A UE estabeleceu ou ampliou várias “forças multinacionais de intervenção” – um objectivo de referência é ter 60 mil soldados disponíveis para missões externas que vão até um ano. A UE tem expandido a sua indústria militar, investindo no avião militar a jacto Eurofighter e em aviões de longo alcance. Desenvolveu um sistema europeu de navegação por satélite (Galileo). Todas estas iniciativas são conjuntas, a nível de toda a UE. E a UE também tem tentado desenvolver uma estrutura de comando global.

Nada disto pode competir, nem sequer está perto de o fazer, com o peso militar do imperialismo norte-americano nesta altura. Mas esta maior afirmação está a ocorrer ao mesmo tempo que os EUA estão a reduzir as suas forças na Europa – enquanto estão em desenvolvimento planos mais ambiciosos da UE para intervenção militar, sobretudo da parte da Alemanha. Além disso, a UE tem os “recursos industriais” necessários para preparar uma rápida militarização.

Há ainda um outro elemento: a Rússia. A UE teria uma significativamente maior força geopolítica em aliança com a Rússia, com o seu ainda formidável poderio militar. Isso é uma carta arriscada, mas totalmente real – e ainda mais dada a crescente dependência da Europa Ocidental do abastecimento energético russo.

A Rússia já fornece mais de um quarto do gás natural consumido na Europa Ocidental e esta parcela está a aumentar. Por outro lado, a Rússia é altamente dependente do mercado europeu: a UE é responsável por cerca de 75% das receitas das exportações da Rússia11. O capital alemão é o principal fornecedor de crédito aos gigantes russos do gás e do petróleo (e o antigo chanceler da Alemanha, Gerhard Schröder, é agora presidente do Conselho Fiscal de uma subsidiária do gigante russo do gás natural, a GAZPROM)12. Ao mesmo tempo, as multinacionais europeias têm procurado ter uma presença independente na Ásia Central, de forma a contornarem a Rússia.

A questão está colocada: irá a relação energética com a Rússia – que é frágil – levar a um reposicionamento mais geral e à colaboração dessas duas potências a nível mundial?

A UE também está a tirar proveito das suas ligações históricas de domínio e exploração em África para satisfazer as suas necessidades energéticas e reduzir a sua dependência da Rússia. As multinacionais europeias eram recentemente responsáveis por 60% dos novos investimentos em petróleo e gás na África Ocidental. A Royal Dutch Shell é a principal produtora estrangeira na Nigéria. Foi alvo de protestos e ataques armados dos habitantes locais como resposta às suas actividades de perfuração, as quais trazem poucos benefícios às comunidades vizinhas mas resultam numa enorme destruição ambiental.13

IV. O euro e o dólar: Rivalidade numa agitação financeira

O euro tem vindo a representar um maior papel como divisa mundial. O alargamento do mercado da UE e a integração regional da moeda criaram uma vantagem de escala e eficiência ao capital europeu ocidental globalizado. E, desde o seu início em 1999-2000, o euro tornou-se na maior e única divisa a rivalizar com o dólar norte-americano como a divisa mundial. A crescente importância do euro deriva da força da UE, bem como da erosão da posição financeira internacional dos EUA. O dólar tem estado sob uma enorme pressão descendente devido aos tremendos deficits contraídos pelos EUA e às mais recentes agitações financeiras nos EUA.

O potencial impacto mundial do euro foi capturado na introdução a uma série de artigos sobre o euro escritos por conhecidos analistas: “Como divisa que suporta o impacto do declínio do dólar norte-americano da sua sobrevalorização no final dos anos 90, o valor e a gestão do euro são críticos para um bem-sucedido ajuste dos desequilíbrios internacionais. E como colaborador e concorrente a longo prazo do dólar, o euro cria o potencial para um sistema monetário internacional bipolar e representa desafios e oportunidades sem precedentes aos responsáveis económicos.”14 O euro já ultrapassou o dólar como principal divisa do mundo no mercado internacional de obrigações.

Isto não afasta a possibilidade de o dólar se revigorar. E é importante lembrar que a força do dólar e o seu papel como divisa de reserva e transacção do mundo não é simplesmente uma função da força económica do imperialismo norte-americano. A “confiança no dólar” também está ligada ao domínio militar global do imperialismo norte-americano, às ligações militares e de segurança entre os detentores estrangeiros de dólares e o imperialismo norte-americano (como acontece com países como a Arábia Saudita) e à estabilidade global do capitalismo norte-americano e aos seus mercados financeiros altamente desenvolvidos em relação ao risco económico e político noutros lugares.

Por outro lado, uma tendência mais gradual e de longo prazo para um “sistema monetário bipolar” não afasta o potencial para um massivo afastamento do dólar e uma súbita erupção de caos financeiro, talvez de uma magnitude não vista desde os anos 30. Um ataque desse tipo ao dólar poderia ser activado por uma combinação de acontecimentos económicos e desenvolvimentos políticos. Por exemplo, a China poderia deixar de financiar a dívida do Tesouro dos EUA à escala que o tem feito e diversificar o seu património em divisas externas, afastando-se do dólar.

As instituições financeiras e os mercados financeiros da Europa Ocidental têm sido atingidos pela crise financeira que rebentou nos EUA no início de 2008. Mas isto parece ser claro: o euro está a ganhar terreno competitivo face ao dólar e a ser cada vez mais visto como divisa internacional de reserva e transacções.

V. Conclusão: Uma aliança transatlântica em transição?

No rescaldo da II Guerra Mundial, o imperialismo norte-americano moldou as estruturas dos estados da Europa e penetrou profundamente nas formações sociais do continente, incluindo a nível cultural. Na expansão do período a seguir à II Guerra Mundial, as trocas comerciais e os vínculos de investimento entre os EUA e a Europa Ocidental cresceram em profundidade e o enquadramento geopolítico alargado dominado pelos EUA constringiu os desafios estratégicos do imperialismo europeu ocidental. Isto manteve-se após o colapso da União Soviética. Além disso, a Grã-Bretanha, que é membro da UE, tem uma “relação especial” com os Estados Unidos. E isso influencia a competição entre a UE e os EUA.

Mas a actual ordem política e económica mundial não está escrita em pedra. Ela pode evoluir para novas direcções e mudar radicalmente devido a grandes alterações geoeconómicas e geopolíticas. De novo, o factor Rússia assoma com grande importância. A UE pode vir a encontrar-se dividida entre os que no seio das suas classes dominantes imperialistas defendem uma mais robusta capacidade militar europeia e os que continuam a querer depender da aliança da NATO. Os caminhos para um maior ou menor papel geopolítico internacional da UE seriam profundamente influenciados por uma grande movimentação da China para ter uma maior iniciativa na economia mundial e/ou forjar uma aliança mais próxima com a Rússia.

Em Junho de 2008, o governo francês anunciou uma reorientação da política de segurança francesa com vista a relações mais profundas com a NATO. Mas observe-se mais de perto: isso foi apresentado como sendo uma viragem em direcção à NATO e à UE – conjugada com um reforço da capacidade da UE para planear e realizar as suas próprias operações militares.

As contradições entre a França e a Alemanha, forças centrais da UE, e os EUA sobre a guerra no Iraque têm sido muito agudas. E tem havido outras contradições. Por exemplo, em 2005 teve início uma disputa quando a UE levantou o embargo de armas imposto à China depois da insurreição de estudantes e trabalhadores em Tiananmen em 1989. E mesmo onde há uma (aparentemente) maior unidade, como em relação à pressão sobre o Irão, também há rivalidades a ocorrer dentro da aliança da NATO.

A UE tem necessidades e liberdade. A estratégia global da UE parece ser a de “ganhar tempo”: promover uma maior integração institucional dentro do bloco da UE, procurar parcerias mais próximas com outras grandes potências e tirar proveito das dificuldades e revezes do imperialismo norte-americano. Mas o ritmo, a direcção e a afirmação da UE serão influenciados pelas tendências globais subjacentes e por desenvolvimentos imprevistos – internos e externos a esse bloco.

(Continua na 4ª Parte)

NOTAS:

1.  Sobre o conflito entre o imperialismo ocidental e o fundamentalismo islâmico e as formas como se confrontam mas também reforçam um ao outro, ver Bob Avakian, Bringing Forward Another Way [Forjar Um Outro Caminho], www.revcom.us.

2.  Para saber mais sobre o desenvolvimento e a natureza da UE, ver Peter Dicken, Global Shift [Alteração Global], 5ª Edição (Nova Iorque, Guilford, 2007), Capítulo 6; e Jozsef Borocz e Mahua Sarkar, “What is the EU?” [“O que é a UE?”], International Sociology, Junho de 2005, Vol. 20 (2), págs. 153-173.

3.  Ver Dick Marty, Secret Detentions and Illegal Transfers of Detainees Involving Council of Europe States: 2nd Report [Detenções Secretas e Transferências Ilegais de Detidos Envolvendo Estados do Conselho da Europa: 2º Relatório] (7 de Junho de 2007), assembly.coe.int.

4.  Para uma análise marxista das origens e lógica do neoliberalismo, ver David Harvey, Neoliberalism (Londres, Oxford, 2005).

5.  Perry Anderson, “Depicting Europe” [“Descrevendo a Europa”], London Review of Books, 20 de Setembro de 2007, lrb.co.uk.

6.  Anderson, “Depicting Europe” [“Descrevendo a Europa”].

7.  Sobre a UE e a Europa de Leste, ver Dorothee Bohle, “The EU and Eastern Europe: Failing the Test as a Better World Power” [“A UE e a Europa de Leste: Falhar o Teste de ser uma Melhor Potência Mundial”], Socialist Register 2005: The Empire Reloaded (Londres, Merlin, 2004), págs. 300-312; Jozsef Borocz, “How Size Matters: The EU as a Geopolitical Animal” [“Como o Tamanho tem Importância: A UE como Animal Geopolítico”], 2005, web.uvic.ca/europe.

8.  Markus Euskirchen, Henrik Lebruhn e Gene Ray, “The Changing European Border Regime” [“O Regime Fronteiriço Europeu em Mudança”], Monthly Review, Novembro de 2007, págs. 41-42;

9.  Sobre a biometria e o “controlo da imigração”, ver o “Special Report on Migration” [“Relatório Especial sobre a Migração”], The Economist, 5 de Janeiro de 2008, págs. 8-10.

10.  Dominiqe Moisi, “Reinventing the West” [“Reinventar o Ocidente”], Foreign Affairs, Novembro-Dezembro de 2003, foreignaffairs.org. Sobre a crescente rivalidade UE-EUA desde a guerra do Kosovo em 1999, ver Kees Van Der Pijl, Global Rivalries From the Cold War to Iraq [Rivalidades Globais, da Guerra Fria ao Iraque] (Londres, Pluto, 2006), págs. 287-290.

11.  Quentin Perret, “Wither Gazprom? The EU and Russia’s Gas” [“Debilitar a Gazprom? A UE e o Gás da Rússia”], diploweb.com, 1 de Novembro de 2007.

12.  John Vinocur, “For Schroder and Putin, Linkup No Coincidence” [“Para Schröder e Putin, a Ligação não é uma Coincidência”], International Herald Tribune, 3 de Janeiro de 2006.

13.  Sobre os investimentos energéticos da UE em África, ver Michael T. Klare, Rising Powers, Shrinking Planet [Potências em Ascensão, Planeta a Encolher] (Nova Iorque, Metropolitan Books, 2008), págs. 155-157.

14.  Ver o resumo, Adam Posen, ed., The Euro at Five: Ready for a Global Role? [O Euro aos Cinco Anos: Preparado para um Papel Global?] Relatório Especial n.º 18, Instituto Peter G. Peterson para a Economia Internacional, 2005, iie.com.

 

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