Do Serviço Noticioso Um Mundo A Ganhar (SNUMAG) de 10 de Novembro de 2008, aworldtowinns.co.uk

A realidade da existência de Israel: A história de uma criança palestiniana

O texto que se segue é um relato fornecido por Muhammad Salah Muhammad Khawaja, um palestiniano de 12 anos do distrito de Ramallah, na Cisjordânia, a Iyad Hadad, da organização israelita de direitos humanos B'Tselem a 18 de Setembro de 2008.

Tenho doze anos e vivo com a minha família em Ni'lin, nos territórios palestinianos.

Vivemos no rés-do-chão da casa, os meus dois tios e as suas famílias vivem no primeiro andar e a minha avó vive no segundo andar.

Na quinta-feira [11 de Setembro], por volta das 3h da manhã fui acordado pelos gritos da minha mãe. Ela gritava: “Levanta-te! Levanta-te! Está aqui o exército!” O meu pai não estava em casa nessa noite. Levantei-me e saí com ela para o pátio interior da casa. Aí estavam cerca de 12 soldados israelitas e as suas caras estavam pintadas de negro. Um soldado usava um chapéu preto que cobria toda a sua cara. Ele sentou-se nos degraus à saída da casa e não agiu. Penso que seria um colaborador que os levou às casas.

Os soldados estavam no primeiro andar. Ouvi-os dizer ao meu tio Sami que os levasse ao nosso andar. Um dos soldados perguntou: “Onde está Muhammad?” e eu percebi que ele estava a perguntar por mim. O soldado disse ao meu tio para me chamar, o que ele fez. Eu comecei a andar em direcção a eles. Os dois soldados agarraram-me e levaram-me para fora da casa. Percebi que me queriam prender. Tive medo e comecei a chorar e chamei o meu tio para vir comigo.

Os soldados algemaram-me as mãos de forma apertada com algemas de plástico que me magoavam muito. Um soldado agarrou-me a camisa por trás e começou a andar e a empurrar-me para a frente. A camisa apertava o meu pescoço e eu não conseguia respirar correctamente. Tentei libertar-me e ele bateu-me nas costas e apertou-me mais a camisa, estrangulando-me ainda mais. Um outro soldado também me batia e me puxava o cabelo enquanto caminhávamos. Chorei e chamei pelo meu tio e pelo meu pai. Os soldados bateram-me e disseram-me: “Cala-te! Cala-te!” Levaram-me entre as casas por uma ruela onde havia cactos. Estávamos a passar por alguns cactos quando um dos soldados me empurrou para cima deles. Os espinhos picaram-me nas mãos e nas pernas. Os soldados continuaram a empurrar-me para a frente e a bater-me durante o caminho.

Enquanto caminhávamos, as crianças da aldeia começaram a atirar pedras aos soldados. Parecia que estava a chover pedras. Os soldados ficaram confusos. Alguns deles fugiram e os outros empurraram-me para que andasse mais depressa e eu caí. Um soldado começou a arrastar-me pelo chão, pelo estômago, com as mãos amarradas. O chão estava cheio de pedras, cascalho e lixo. Ele puxou-me pelas mãos e eu chorei e gritei. Disse-me que me calasse. Queria puxar-me mais rapidamente, para fugir das pedras. Arrastou-me durante alguns metros, até que ficámos atrás de uma parede. Sentia o meu joelho direito e as palmas das minhas mãos feridas. O meu joelho estava a sangrar.

Alguns soldados dispararam gás lacrimogéneo em direcção aos atiradores de pedras. A granada caiu perto de mim e eu comecei a tossir e a chorar. Os meus olhos estavam inflamados. Começámos novamente a andar, com os soldados a empurrar-me por trás. Chegámos a uma casa na aldeia, a cerca de 400 metros, e eles entraram. Era a casa de ‘Abd um-Rahman Lu'ai ‘Abd al-Halim, de 14 anos, que andava comigo na escola. Prenderam-no a ele e ao seu primo, Sufian Nawaf al-Khawajah, de 18 anos. Levaram-nos aos três para o centro da aldeia, a cerca de 400 metros da minha casa, e fizeram-nos parar frente a uma loja com as mãos levantadas. ‘Abd um-Rahman e Sufian também estavam algemados. Os soldados espancaram-nos e atiraram-nos para o chão. Aí ficámos e eles pisaram-nos, nas cabeças e nos estômagos, durante alguns minutos. Depois puseram-nos de pé e empurraram-nos até à entrada da aldeia. Um soldado estava atrás de cada um de nós, agarrando-nos pela camisa.

De vez em quando, os soldados batiam-nos e pontapeavam-nos. Um dos soldados estava particularmente furioso comigo. Bateu-me e estrangulou-me, como se me quisesse matar. Acho que alguns dos soldados tinham sido atingidos pelas pedras atiradas pelas crianças. Gritei e chorei, estava tão assustado. Ainda era noite. Levaram-nos durante cerca de um quilómetro, até ao cruzamento que leva ao colonato de Nili. No cruzamento estavam muitos jipes do exército. Os soldados vendaram-me e puseram-me num jipe. Tinha passado cerca de uma hora desde que me tinham prendido. O jipe começou a andar. Eu não sabia para onde ia.

Sentei-me no chão do jipe, sem que houvesse qualquer soldado perto de mim. Passado cerca de meia hora, talvez uma hora, a andar, o jipe parou e os soldados fizeram-me sair dele. Conseguia ver alguma coisa através da venda. Não sabia onde estava, mas era uma base do exército. Vi outros dois jipes a pararem. Retiraram ‘Abd um-Rahman de um e Sufian do outro.

Depois levaram-nos para outro lugar. Aí sentaram-nos em bancos e, passados dez minutos, chamaram-nos para nos interrogarem, um após o outro. ‘Abd um-Rahman foi o primeiro e o interrogatório dele durou cerca de vinte minutos. Depois, entrei eu na sala e eles retiraram-me a venda. Vi um homem com roupas civis. Era corpulento, com uma cara redonda e pele clara. Usava um barrete. Disse que se chamava Capitão Sasson e também ouvi outras pessoas a chamá-lo assim. Sentou-me próximo da sua mesa e fez-me perguntas sobre as crianças da aldeia. Mostrou-me fotografias de um álbum grosso que tinha cerca de 200 fotos. Perguntou-me repetidamente por algumas crianças e eu disse-lhe que não as conhecia. Então deixou de me perguntar por elas e mostrou-me três fotos de mim a agarrar numa fisga numa manifestação contra o muro de separação. Admiti que era eu, mas continuei a dizer que não conhecia as outras crianças. Então ele bateu-me nas costas com um banco de plástico. Chorei e gritei e ele bateu-me duas vezes na perna com um pau de madeira.

Um soldado que tinha uma pistola na anca ordenou-me que me levantasse e ficasse frente à janela ou ao armário. Havia uma máquina fotográfica fixa à minha frente. Ele tirou a minha fotografia e depois o interrogador disse-me que assinasse, com a minha impressão digital, uma página escrita em hebraico. Não sei o que dizia. O soldado não ma leu. Suponho que fosse uma confissão. Tive que a assinar, porque tive medo que ele me batesse. O interrogador tirou impressões de todos os meus dedos e depois disse ao soldado que me vendasse novamente. Ele levou-me para fora do quarto e sentou-me no banco lá fora. O interrogatório tinha demorado cerca de meia hora. Depois levaram Sufian, também durante cerca de meia hora.

Depois puseram-nos aos três numa grande carrinha de patrulha e, depois de conduzirem durante cerca de um quarto de hora, fizeram-nos sair e retiraram-nos as vendas. Vi uma placa que dizia “Ofer” e percebi que estávamos na Prisão de Ofer. Levaram-nos para uma sala onde revistam as pessoas. Retiraram-nos as roupas e um médico examinou-nos. Deram-nos uns sacos com calças, uma camisa e sandálias. Prenderam Sufian e puseram-no numa sala de detenção. Um polícia de farda azul [a polícia regular] falou com os soldados. Percebi que lhes estava a dizer que nos libertassem. Disse-nos, em árabe: “Vocês são crianças pequenas e deviam ser libertadas”.

Mantiveram ‘Abd um-Rahman e a mim fora da sala de detenção e depois fizeram-nos regressar à carrinha. As nossas mãos ainda estavam algemadas. Passados cerca de vinte minutos, trouxeram um recipiente com gelatina para cada um de nós. Retiraram-nos as algemas e deixaram-nos comer. Cerca de meia hora depois, recolocaram-nos as algemas.

Estavam dois soldados a guardar-nos na carrinha. Não nos deixavam falar um ao outro. Sempre que dizíamos qualquer coisa, um soldado dizia-nos para nos calarmos. Estava muito calor na carrinha e nós estávamos a suar muito. Não nos deram nada para comer ou beber. Deixaram-nos ir à casa de banho, retirando-nos as algemas e recolocando-as quando voltámos.

Ficámos assim até depois de o muezim ter chamado os fiéis para as orações da noite, por volta das 8h da noite. Então levaram-nos para outro campo. Acho que era o campo de Beit Sira. No campo, deram-nos uma bebida de chocolate e puseram-nos num pequeno quarto com colchões militares verdes. Não havia camas. As algemas estavam agora frouxas, pelo que as retirámos, bebemos a bebida de chocolate e fomos dormir.

Na manhã seguinte, às 10h, puseram-nos numa carrinha de patrulha e algemaram-nos novamente as mãos, mas desta vez não nos vendaram. Levaram-nos de volta à Prisão de Ofer e puseram-nos na secção das tendas, Departamento 2, que tinha oitenta e três detidos de todas as idades. Cada departamento tinha quatro tendas, com cerca de vinte detidos em cada.

Os detidos trataram-nos bem. Deram-nos doces, chocolates e batatas fritas. Senti-me confortável. Jejuei durante o dia [por causa do Ramadão] e joguei futebol e ténis. O Departamento tinha televisões, uma em cada tenda. Via programas infantis durante o dia e um programa sírio, o “Bab al-Hara”, à noite. Um detido ajudou-me a pedir ao médico que tratasse a minha perna. Levaram-me para a clínica e o médico pôs tintura de iodo no meu joelho ferido e colocou uma ligadura.

A princípio, tive medo e por vezes chorei, porque a minha família estava longe. Nunca tinha estado detido antes. Era uma experiência nova para mim. Não sabia nada sobre detenções antes desta vez. Não sei porque é que me detiveram – toda a aldeia e todas as crianças participaram nas manifestações, porque é que me escolheram a mim?!

Os detidos adultos cuidaram de mim porque eu era o detido mais novo do Departamento e decidiram fazer-me ajudante do sargento do Departamento.

Tinha que acordar todas as manhãs às 6h e gritar aos detidos: “Vamos! Hora da contagem!”. Eles levantavam-se e então os soldados entravam e contavam-nos. Eu ficava próximo dos soldados enquanto eles contavam. Os soldados tratavam-me com respeito e pediam aos detidos mais velhos que cuidassem de mim. O sargento do Departamento sempre me ajudou. Era mais velho que a maioria dos outros detidos e falava hebreu. Trabalhávamos em conjunto, ajudando os detidos e submetendo os seus pedidos aos funcionários da prisão e aos guardas.

Domingo de manhã [14 de Setembro], às 6h, fui levado ao tribunal com ‘Abd um-Rahman. Antes de partirmos para o tribunal, algemaram-nos as mãos e as pernas com algemas e correntes de ferro. Quando lá chegamos, puseram-nos numa sala pequena à espera do início da audiência, às 2h da tarde. Não pedimos comida nem bebida porque estávamos em jejum.

Quando chegou a hora da audiência, levaram-nos para a sala do tribunal, os dois algemados. Estava lá o meu pai e também um homem da B'Tselem. Soube depois que o seu nome era Iyad Hadad. Outras pessoas também vieram à audiência e fez-me bem vê-las. Estava muito contente por ver o meu pai, mas os soldados não me deixaram abraçá-lo, nem sequer tocar na mão dele.

Uma advogada israelita defendeu-me. Não sei o nome dela. Ela pediu que eu fosse libertado sob fiança e o juiz acedeu ao pedido, mas definiu a fiança em 3000 shekels [cerca de 630 euros]. O meu pai não tinha esse dinheiro, pelo que não pudemos pagar.

Após a audiência, levaram-me de volta à prisão. No dia seguinte, o meu pai conseguiu obter emprestado o dinheiro para a fiança e eu fui libertado desde que regressasse para uma audiência na terça-feira [16 de Setembro]. Fui para casa dos meus pais e da minha família. Estava muito contente. Fui à clínica médica da aldeia porque me doíam o pescoço e o ombro e também por causa dos arranhões e do meu joelho ferido. Examinaram-me e trataram-me. Disseram-me para descansar durante uma semana e voltar de novo. O meu pai foi comigo à audiência na terça-feira. A audiência foi adiada para 21 de Outubro de 2008.

Desde que fui libertado, tenho tido problemas. Acordo de noite com medo e quase não consigo dormir. Fui a um psicólogo chamado Khaled Shahawan e ele deu-me medicamentos e sedativos. Tenho dificuldade em concentrar-me na escola. O ano passado a minha média era de 94%.

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